Violência vem do latim “violentia”, que significa veemência, impetuosidade, e do italiano “violare”, violação. A violência está intrinsecamente ligada à cultura —cultura essa que está a serviço da vida humana, e o paradoxo é que ela promove as condições tanto da vida quanto da violência. A violência não pode ser radicalmente eliminada da cultura.
De maneira simples, uma pessoa pode ser caracterizada por uma tríade: 1 - um modo particular de pensar; 2 - um modo particular de desejar; 3 - um modo particular de sentir, que inclui o gostar.
Respeito vem do latim “res spectare”. “Res”, a coisa, o fato, e “spectare”, ver —ou seja, “ver o fato”, que é a tríade que caracteriza uma pessoa, e aceitar que o outro seja o que ele é, com as concordâncias e as diferenças do pensar, do desejar, do sentir e do gostar. Dessa tríade surge uma ação.
O pensar é muito complexo e pode estar tomado por uma posição ideológica, que é uma disposição permanente do espírito humano e que não se define unicamente pelo seu conteúdo, mas também por uma posição mental específica e recorrente.
A posição ideológica apresenta três componentes: 1 - uma ideia onipotente que ocupa o lugar do princípio da realidade; 2 - um ideal; 3 - a existência de um ídolo, quase uma divindade. Há uma fidelidade imperativa a esses três componentes. A posição ideológica é um dispositivo antipensamento. A ideologia se edifica contra a dúvida.
Penso que um dos grandes problemas da humanidade se chama carimbo. Carimba-se as pessoas, e assim se perde a percepção do ser humano que aí está. E o carimbo traz penumbras não muito saudáveis. Quando um grupo de torcedores de um time de futebol A carimba o grupo de torcedores do time B com adjetivos depreciativos, prevalecendo uma ideologia grupal, onde ocorrem alianças inconscientes baseadas na inveja, na negação, no não pensar, pode surgir o ódio, a agressividade —até com uma ação assassina, como fazer emboscadas no metrô.
Não se vê mais o ser humano. O grupo age para não pensar nas angústias inerentes às diferenças. Algo semelhante ocorre no incentivo às guerras, onde um povo é visto como perigoso, ameaçador e que precisa ser destruído, algo comum em tantos momentos da história humana.
E o que não dizer da horrível limpeza étnica? É claro que se pode falar de uma pessoa por sua nacionalidade, cor, partido político, time de futebol, ideias em diferentes campos e religião, mas sem a intensidade do carimbo que nos faz perder a percepção do ser humano total e complexo que é o outro.
Posso, por exemplo, dizer: “Aquela pessoa, que eu conheço, é adepto da religião muçulmana”. Ou: “Esse cara é um muçulmano”, onde as palavras e o tom emocional denotam profundezas sombrias!
É preciso cuidado para se falar de três assuntos: política, futebol e religião, que, via de regra, mobilizam a posição ideológica fanática e onipotente. Do ponto de vista técnico, também é preciso paciência para desfazer essas idealizações, principalmente na relação transferencial, para que o analisando possa, pouco a pouco, ter mais suportabilidade do sofrimento psíquico, sem que o “self” se desestruture —ver a realidade de que ninguém é perfeito, nem ele nem o psicanalista.
Falemos agora sobre solidariedade, um sentimento de identificação com o sofrimento dos outros. É reconhecer a situação delicada de uma pessoa ou de um grupo social e o ato de ajudar essas pessoas desamparadas. Creio que há pessoas realmente com uma grande capacidade de amar, que são generosas e que se manifestam com solidariedade para com os outros.
Mas, também por trás da solidariedade, esconde-se a projeção das partes necessitadas nos outros e os pequenos desejos narcísicos de aplausos, de reconhecimento, que são desejos humanos em todos nós —e que de maneira alguma são impeditivos da solidariedade.
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