Descrição de chapéu

A morte de Ágatha

Impossível não associar tragédia ao estímulo de autoridades à violência policial

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Vanessa Francisco Sales segura a boneca preferida da filha Ágatha, 8, morta por um tiro de fuzil - Pilar Olivares/Reuters

A morte da menina Ágatha Félix, 8, atingida nas costas por um disparo na noite de sexta-feira (20), no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ainda está por ser esclarecida. Testemunhas relatam que os tiros partiram de um policial militar e rechaçam a versão da corporação segundo a qual seus profissionais reagiam a um ataque.

Inegável é que há décadas inocentes sofrem com ações imprudentes e exorbitantes das forças de segurança, em especial em bairros pobres onde atuam quadrilhas do varejo do tráfico de drogas.

Não são apenas as tais “balas perdidas”, originárias de confrontos reais ou alegados, que matam —basta citar o episódio de abril no qual 12 militares, também na capital fluminense, dispararam mais de 200 tiros contra o carro da família do músico Evaldo Rosa dos Santos.

A letalidade policial aumentou em 2018 e continua a crescer. No Rio, houve 1.249 mortes por intervenção de agentes do estado de janeiro a agosto deste ano, ante 1.075 em igual período do ano passado.

Impossível não relacionar esse quadro ao incentivo de autoridades —como o presidente da República e os governadores do Rio e, um grau abaixo, de São Paulo­­— ao confronto armado como política de segurança pública.

Tal sinalização serve também de estímulo ao uso da força bruta em outros segmentos da sociedade, como se viu no recente caso de tortura imposta por seguranças de um mercado de São Paulo a um jovem que havia roubado chocolates.

A comoção causada pela morte de Ágatha revela a fadiga de moradores de comunidades e de parte relevante da opinião pública com os abusos cometidos hodiernamente em nome da lei e da ordem.

Como disse o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana”. São preceitos que parecem alheios ao universo moral do governador Wilson Witzel (PSC).

Em tardia declaração sobre a morte de Ágatha, ele considerou nesta segunda-feira (23) que seria indecente usar um caixão como palanque —logo ele que se ofereceu em saltitante euforia aos holofotes da mídia por ocasião da morte do sequestrador de um ônibus.

A exemplo de outros representantes da direita iliberal e incivilizada, Witzel aposta no proibicionismo radical e na ideia fantasiosa de que seria possível impor uma vitória militar às quadrilhas de traficantes, quando se sabe que o tema é muito mais complexo. 

Ao menos um efeito positivo o trágico episódio parece prestes a gerar —a derrubada de dispositivo do pacote anticrime que eleva sobremaneira a condescendência da Justiça diante de excessos policiais. Resta agora que os responsáveis sejam identificados e punidos.

editoriais@grupofolha.com.br

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