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Marta Suplicy

'Backlash'

Partidos não querem dividir fundos com as candidatas

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Está em discussão uma rasteira daquelas nas mulheres com pretensões políticas. Desta vez, o golpe vem dos caciques dos partidos, no Legislativo. Pois não querem dividir os fundos partidários ou eleitorais com as candidatas. Como não conseguiram baixar a porcentagem das cotas, hoje em 30%, querem excluir a obrigatoriedade. O que levaria a uma situação igual à de 1997. 

E o paradoxal é que a proposta chega exatamente quando, pela primeira vez, conseguimos um crescimento extraordinário. Depois de duas décadas propondo emendas à lei de cotas de 1995 (20%) e chegar aos 30% com obrigatoriedade e penalização ao descumprimento, até a penúltima eleição continuamos patinando em 10% de eleitas, ouvindo: “as mulheres não têm essa vocação”, “não estão interessadas”...

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A ex-senadora e ex-prefeita Marta Suplicy em seu gabinete, em São Paulo - Karime Xavier - 08.nov.18/Folhapress

Por que estariam interessadas? Ser candidata implica não ter sábado nem domingo, menos presença com filhos, “abandono” do marido e exaustão total por uns bons meses... Não é um convite atraente.
Por mais que a mulher se interesse, o preço pessoal a pagar é muito alto. Entretanto, o problema real é que as cotas garantem uma legenda, mas não as mesmas oportunidades na competição. Os recursos e a exposição na TV vão para os candidatos mais experientes.

Não tínhamos como tornar o convite interessante sem dar uma oportunidade real —até ocorrer mudança fundamental em 2016, com a instalação do fundo eleitoral, o questionamento ao STF, depois ao TSE, que determinaram a obrigatoriedade dos partidos a garantir para cada gênero o tempo e o recurso equivalentes à cota, respeitando o mínimo já aprovado de 30% para as mulheres. 

O extraordinário resultado está aí —mesmo com escândalos, como no caso do laranjal. Só que, desta vez, muitas delas tiveram como diferencial os recursos dos fundos partidários e eleitorais. Subimos de 51 para 77 o número de deputadas federais eleitas. Um aumento de 51%! Já as estaduais cresceram 35% Após não conseguir derrubar o direito no STF, alguns agora querem “aguar” com outras artimanhas o esvaziamento dos fundos para as mulheres.

Na minirreforma de 2016 conseguimos emplacar duas emendas de minha autoria: 1 - 120 dias de 5 minutos contínuos, antecedendo o período eleitoral, falando da importância das candidaturas das mulheres; 2 - os recursos destinados às mulheres não iriam mais para as fundações partidárias e sim para as secretarias ou conselhos da mulher. Foi um deus nos acuda. Nem todos os partidos possuíam essa estrutura, que foi rapidamente criada. 

Em vez de reclamar e boicotar, os partidos devem começar já a se preparar para eleger suas candidatas em 2020, com uma busca ativa e capacitação para as que desejarem. Finalmente temos uma alavanca que já fez e pode fazer enorme diferença. 

E aí lembro de um livro best-seller dos anos 1980, da autora americana Susan Faludi: “Backlash”, que, em 500 páginas, com pesquisas e estudos, mostra como existe uma tendência histórica de ocorrer um “backlash” (forte reação), que nos derruba por décadas quando conseguimos um avanço. Haja vista que cada conquista feminina demora 10, 20, 30 anos para se concretizar. 

A brasileira Bertha Lutz organizou a luta pelo direito ao voto feminino em 1922, conquistado em 1932. Assim mesmo para as casadas com autorização do marido, viúvas e solteiras com propriedade. Sempre conquistas ridicularizadas ou criticadas como ameaças à sociedade, à família ou “aguadas” para serem desmoralizadas, como com as cotas. As cotas vieram da constatação que enfrentávamos um muro para entrar na política. Com o início das ações afirmativas teríamos um instrumento possível. Foram boicotadas durante mais de 20 anos.

Onde existe ameaça ao poder masculino, que costuma vencer os pleitos políticos, nós somos sabotadas. Não desta vez. Temos que nos unir de forma suprapartidária para não acontecer um “backlash”. E para as novatas, entendam rápido e não se iludam: não há complacência ou amizade nesse jogo. Só machismo e poder. A união será nossa força; a sororidade, o caminho. E quem inventou que mulher não vota em mulher?

Marta Suplicy

Ex-senadora da República (fev.11 a jan.19), ex-ministra da Cultura (2012-14, gestão Dilma) e do Turismo (2007-08, gestão Lula) e e ex-prefeita de São Paulo (2001-04)

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