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Déficit habitacional e ocupações: desafios à sociedade e ao Ministério Público

É preciso cautela para não criminalizar os movimentos de moradia

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Fachada do Edifício Dandara, no centro de São Paulo, que foi reformado por movimento por moradia - Marlene Bergamo - 03.mai.18/Folhapress
Camila Mansour Magalhães da Silveira, Denise Cristina da Silva, Marcus Vinicius Monteiro dos Santos e Roberto Luis de Oliveira Pimentel

Habitar é o ponto de partida para a garantia de todos os demais direitos fundamentais. A ausência de um teto impede que o ser humano sobreviva dignamente, evolua como tal e exerça seu papel na sociedade. Assim, o aumento do déficit habitacional afeta o meio social de forma implacável.

No município de São Paulo, tal déficit sofre incremento sensível, girando hoje em torno de 500 mil unidades habitacionais. A fila da habitação na cidade tem mais de 1 milhão de inscritos, e 110 mil famílias estão com os cadastros atualizados à espera de atendimento do poder público, concluindo-se que o tema não foi enfrentado adequadamente nas últimas décadas. Políticas públicas empreendidas por governos das mais variadas vertentes políticas foram ineficientes, não resolvendo minimamente o problema.

Ao Ministério Público cabe a difícil tarefa, diante dessa conjuntura, de lançar um olhar novo e moderno sobre o assunto, que utilize, de forma racional e estratégica, a visão tradicional sobre os direitos em jogo na questão —como propriedade, posse e institutos de direito administrativo e urbanístico, de forma a compatibilizá-los com os graves conflitos que permeiam o problema, utilizando-os como ferramentas eficazes para enfrentamento adequado e resolutivo de tais conflitos.

O MP não deve poupar esforços para obter correta compreensão desse fenômeno, evitando-se superficialismos para, acima de tudo, obter garantia da mínima observância de direitos fundamentais, como a habitação e a segurança, sem perder de vista a busca da pacificação social.

Nesse sentido, no exercício de suas atribuições, a Promotoria de Habitação e Urbanismo tem acompanhado os diversos movimentos de luta por moradia que atuam em São Paulo, com o que pode apurar sua importância na concretização de direitos, por vezes esquecidos ou ignorados pelo poder público.

Tais movimentos, nessa difícil conjuntura, assumem um papel relevante na busca de implementação de políticas habitacionais. Eles dão voz a famílias vulneráveis que, caso contrário, não teriam condições de ser ouvidas, organizarem-se e buscarem alternativas ao enfrentamento de questões que não devem ficar estritas à esfera individual.

É preciso cautela para que não sejam feitas generalizações no sentido de “criminalizar abstratamente” os movimentos de moradia, reconhecendo que, como em qualquer entidade pública ou privada, existem desvios de conduta que devem ser sempre combatidos, notadamente na área criminal. Mas tais desvios não devem servir para contaminar o pensamento coletivo, no sentido de que todos os movimentos são iguais e forjados para práticas ilícitas.

 Questões como ocupações de imóveis descumpridores de sua função social ou cobrança de taxas associativas, comumente invocadas para criticar a atuação de tais entidades, não podem, assim, ser abordadas superficialmente. Não cabe, neste espaço, entrar no mérito dessas questões. Contudo merece, a título de exemplo, registro de que existem programas habitacionais específicos para que movimentos de luta por moradia, com recursos públicos, construam ou requalifiquem imóveis por eles ocupados.

Nesse contexto, o Ministério Público, como órgão que também tem por missão constitucional a tutela de interesses sociais, deve, quando nesse papel, analisar o tema com a amplitude que lhe permita abordar tais questões de forma a preservar aqueles direitos básicos.

Enfim, a construção de cidades justas e democráticas depende da necessária participação de todos os atores envolvidos, permanecendo a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital paulista, no exercício de suas atribuições, atenta à importância de tais valores.

Camila Mansour Magalhães da Silveira, Denise Cristina da Silva, Marcus Vinicius Monteiro dos Santos e Roberto Luis de Oliveira Pimentel

Promotores de Justiça de Habitação e Urbanismo da cidade de São Paulo

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