Há poucas semanas, em torno de 35 clubes de futebol manifestaram a intenção de aderir ao modelo de clube-empresa, abandonando o atual de associação civil sem fins lucrativos.
Para tanto, os clubes-empresas seriam capitalizados mediante a integralização dos ativos atuais (direitos federativos, marca e carteira de sócios, entre outros) e pelo aporte financeiro de novos investidores institucionais.
Ainda que o anseio seja legítimo, é importante que essa migração seja feita com base em uma lei especifica —em discussão no Congresso— e que reflita o que há de mais moderno em termos de regulação do futebol.
De antemão, não se pode partir da premissa de que todos os clubes devam ser primordialmente veículos de investimento, quando, em sua maioria, continuarão a se constituir em entidades não vocacionadas ao lucro.
Por isso, a proposta apresentada pelo deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ) condiz com a realidade do futebol. Assim, neste momento de debate, cabe analisar algumas das principais premissas que devem reger esse momento de transição.
A primeira delas é a segurança jurídica. Sem legislação que delimite o regime jurídico para as diversas relações e atividades desenvolvidas por um clube, não seria improvável que as novas entidades possam ser consideradas sucessoras das atuais associações civis.
É fundamental que a lei não venha impor um salto olímpico para um tipo societário distinto, preservando a migração de uma realidade para outra.
Nesse sentido, o modelo de SAF (Sociedade Anônima do Futebol), proposta do ex-deputado federal Otavio Leite (PSDB-RJ), parte do pressuposto que os clubes devem obrigatoriamente se transformar nesse tipo societário, reproduzindo o modelo espanhol de “SAD” (“Sociedad Anónima Deportiva”).
O atual cenário do futebol brasileiro, contudo, se caracteriza por um altíssimo grau de litigiosidade dos clubes em questões trabalhistas, previdenciárias, cíveis e fiscais que deve ser solucionado pela lei.
A segunda abordagem se refere ao fato de que, sendo um setor regulado, é fundamental estimular a concorrência entre os clubes, como vem ocorrendo na Europa (“fair play” no gasto com contratações, divisão dos direitos de arena e limites ao controle de capital).
O terceiro aspecto, que se aborda no projeto do deputado Pedro Paulo, seria o de reconhecer um espaço para as limitadas e até para as atuais associações civis. De fato, em muitos países a transformação em clube-empresa resultou na extinção de clubes centenários, pois a regra do jogo para qualquer sociedade anônima envolve falência, quebra e responsabilização de administradores. Ademais, associações civis podem ser superavitárias.
Duas das maiores potências do futebol mundial —Real Madrid e Barcelona—, aproveitando-se da regra de exceção da lei espanhola que introduziu a “Sociedad Anónima Deportiva”, optaram por não se converterem em sociedades anônimas.
Esses e outros clubes “não sociedades anônimas” desenvolveram mecanismos de alavancagem financeira (construção de estádio com o dinheiro dos sócios, que se remuneram pelas receitas de locação e “matching day”, entre outros exemplos) que os permitem competir em igualdade de condições com os que se transformaram em empresas.
A ideia de sociedade anônima do futebol não pode ser uma panaceia de “per se”, como ocorreu em alguns países, como o México. Para tanto, é preciso adotar a possibilidade de clube-empresa, mas desde que por meio de uma regulamentação atual, moderna e que garanta estabilidade e um modelo de transição aos clubes.
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