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Que circulem as más ideias

Charlatanices como a "cura gay" também fazem parte da liberdade de expressão

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Protesto de grupos LGBT contra o tratamento psicológico para homossexuais, conhecido como "cura gay" - Carla Carniel/Código19/Folhapress

A gigante virtual Amazon decidiu banir de seu catálogo livros que se proponham a ensinar o caminho para a reversão da homossexualidade —o que, previsivelmente, suscitou reações inflamadas.

Para setores religiosos conservadores, a medida constitui odiosa censura; para ativistas de direitos de minorias, trata-se de um avanço civilizacional. A questão, como de hábito, mostra-se mais complexa do que querem os militantes.

Tenha-se claro que a tal “cura gay”, como ficou vulgarmente conhecida, não passa de charlatanismo. Não se cura, afinal, o que não é doença. Nem há como direcionar a atração sexual: como escreveu Drauzio Varella nesta Folha, consegue-se, quando muito, reprimir algum comportamento.

Tampouco se pode classificar a iniciativa da Amazon como censura. O termo só se aplica com precisão quando o poder do Estado impede o acesso do público a obras, espetáculos ou mesmo declarações devido a seu conteúdo.

Aqui falamos de uma empresa privada que tem a prerrogativa de escolher o que vai vender ou não.

Daí não decorre, entretanto, que a decisão tomada tenha sido a mais coerente —nem que grupos que se sentiram prejudicados não estejam no direito de protestar.

A Amazon não é uma pequena livraria temática, mas uma referência global do varejo, cujo catálogo de livros tem pretensões de universalidade. Embora tenha suprimido obras que defendem a cura da homossexualidade, segue ofertando outras modalidades de charlatanice não menos perigosas.

No que diz respeito à sociedade, importa que a liberdade de expressão seja cultivada em sua latitude mais ampla. Isso significa que, seja pela Amazon ou por qualquer outro meio, títulos como os banidos do site da gigante devem ter sua circulação assegurada.

O princípio vale não só para textos cientificamente errados, caso dessa literatura cristã sobre a homossexualidade, como para obras politicamente explosivas, a exemplo do “Minha Luta”, de Adolf Hitler —embora abusos como a incitação do crime e da violência devam estar sujeitos a sanções.

Alguém poderia se perguntar por que deveríamos aceitar que equívocos e excrescências desse calibre estejam ao alcance de todos, e a resposta talvez não seja intuitiva. Como já ensinava Stuart Mill, precisamos que as péssimas ideias circulem para que as boas possam confrontá-las e, assim, triunfar.

editoriais@grupofolha.com.br

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