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Diogo Tebet

Supremo, Lava Jato e ampla defesa

Delator tornou-se verdadeiro 'auxiliar da acusação'

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Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, cuja condenação por corrupção e lavagem de dinheiro em ação ligada à Lava Jato foi anulada pelo Supremo - Sergio Moraes - 21.mar.16/Reuters
Diogo Tebet

Nos últimos cinco anos não há assunto mais comentado do que as nuances, os reflexos e os detalhes das recentes megaoperações policiais, sendo a Operação Lava Jato —alçada à quase verdadeira instituição com personalidade jurídica própria— o seu maior símbolo.

É nessa esteira que se vê a glorificação dos instrumentos da lei nº 12.850/2013, que trata do crime de organização criminosa e seus meios de obtenção de prova, com destaque para a delação premiada, eufemisticamente chamada de colaboração premiada.

Após o reconhecimento, pelos tribunais e pelo Supremo Tribunal Federal, de sua legitimidade, a delação premiada foi alçada ao eixo central do sistema punitivo brasileiro na persecução da criminalidade de colarinho branco e do combate à corrupção, respaldando prisões, acusações e sentenças.

A aplicação indiscriminada desse instituto vem causando graves distorções no sistema processual penal, merecendo relevo anomalias como certos processos criminais “sem réus” (figuram só delatores), bem como delações de corroborações cruzadas (confirmadas por outras, muitas vezes acompanhadas de documentos produzidos unilateralmente, sem origem ou data).

Diante dessa virada de prisma causada, em sua grande maioria, pela prática judicial de primeiro grau, evidenciou-se um incremento desproporcional do poder da pretensão punitiva estatal. Ou seja, não bastasse a defesa do acusado confrontar-se contra a envergadura do Estado-acusação, representado pelo Ministério Público, vê-se o surgimento de mais um ator processual: o delator.

Quando denunciado, o delator torna-se uma figura híbrida no processo vez que, apesar de constar formalmente como réu, renunciou, por força da celebração do acordo, a determinados direitos constitucionais básicos, como o direito ao silêncio e à presunção de inocência. Por outro lado, assumiu deveres, como, por exemplo, o de cooperação e produção de provas para a identificação dos demais coautores e partícipes da suposta conduta delituosa.

Nesse sentido, torna-se verdadeiro “auxiliar da acusação”, colocando-se em patamar diferenciado em relação ao delatado, o qual exerce e opõe, por seu advogado, resistência à pretensão punitiva do Estado-acusação. E para tal contraposição é assegurada ao cidadão, pela Constituição, a ampla defesa. Um desses meios é justamente o direito da defesa de sempre se pronunciar por último. Nesse sentido, andou bem o recente precedente estabelecido pelo STF, que reconheceu a nulidade de proceder judicial de primeiro grau que sonegou à defesa do delatado de se pronunciar por último.

A posição da Suprema Corte é perfeitamente consentânea com o que se espera: dar efetividade às garantias fundamentais do cidadão. Todo e qualquer acusado precisa saber o que foi produzido contra si para exercer a sua defesa. E, tratando-se de disposição constitucional, a violação de tal postulado configura nulidade absoluta.

Em boa hora o STF retoma uma de suas adormecidas funções em matéria processual penal: interpretar as leis de acordo com a Constituição.

Diogo Tebet

Advogado e presidente da Comissão de Processo Penal da OAB-RJ

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