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Vetos que caem

Tensão entre Congresso e Bolsonaro contamina debate sobre abuso de autoridade

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Sessão do Congresso Nacional que derrubou vetos presidenciais na lei que define crimes de abuso de autoridade - Pedro Ladeira/Folhapress

A derrubada de um veto presidencial pelo Congresso é evento raro na maior parte do período posterior à redemocratização do país, mas que se tornou mais comum desde o inconcluso segundo mandato de Dilma Rousseff (PT).

Um estudo de Marcos Aurélio Pereira, da Câmara dos Deputados, concluiu que, de 1.185 vetos aplicados de 1988 a 2014, apenas 27, ou 2%, acabaram rejeitados pelos parlamentares. A cifra vai aos 7% (24 rejeições) no período 2015-2018, segundo levantamento do pesquisador Gustavo Guimarães noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Os números podem variar conforme o critério de contagem, decerto. Também devem ter sido afetados pela norma de 2013 que redefiniu prazos para o exame dos vetos. Fato é que esse indicador dos desencontros entre Planalto e Legislativo já mostra resultados expressivos neste primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro (PSL).

Na terça-feira (24), deputados e senadores derrubaram 18 dos 33 vetos do presidente na lei dos crimes de abuso de autoridade (nº 13.869, de 2019). Foi sem dúvida o episódio mais marcante do gênero até aqui, mas não o primeiro.

Em agosto, caiu o veto a um texto que endureceu penas para a propagação de fake news; numa única sessão, em junho, outros três vetos foram rejeitados.

Mais que de inabilidade e inexperiência, a tensão com o mundo parlamentar decorre de escolhas de Bolsonaro —que, de público ao menos, renega práticas associadas por suas hostes à “velha política”. Nesse contexto, a lei relativa ao abuso de autoridade se tornou motivo óbvio de conflito.

Desde a origem, o debate em torno do tema esteve contaminado por casuísmo, de um lado, corporativismo, de outro, e paixões ideológicas de lado a lado.

O projeto ganhou força no Congresso como reação às investigações da Lava Jato e seu efeito devastador sobre líderes e partidos tradicionais. Em resposta, o aparato jurídico-policial —que de fato incorreu em excessos visíveis nos últimos anos— procurou estigmatizar as propostas como ameaça ao combate à corrupção.

O padrão visceral prosseguiu na derrubada dos vetos, em votação antecipada por um Congresso exasperado devido a uma ação da Polícia Federal que mirou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Perdeu-se mais uma chance de examinar com maior racionalidade um texto que é correto em seus objetivos e diretrizes gerais, pois a legislação anterior datava da ditadura militar, mas de fato contém trechos de aplicação duvidosa. Resta esperar que a prática confirme um avanço no regramento que não se confunda com mais impunidade.

editoriais@grupofolha.com.br

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