Descrição de chapéu

A Putin, as batatas

Hipocrisia no Oriente Médio muda de patamar com Trump; líder russo se beneficia

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Fumaça de bombardeio turco sobre a cidade síria de Ras al-Ain, na fronteira dos dois países - Ozan Kose/AFP

A hipocrisia ocidental sempre fez companhia aos desmandos locais no Oriente Médio, em particular na sua moderna era iniciada após a dissolução do Império Otomano, no início do século 20.

O presidente americano, Donald Trump, resolveu inserir seu nome nesta tradição ao abandonar seus aliados curdos na Síria, abrindo caminho a uma esperada ofensiva da Turquia contra aquela minoria. “Aquilo [o ataque turco] não tem nada a ver conosco”, disse.

É um argumento defensável, não fosse qualquer inação americana um convite para ação de outras potências em um mundo em que a multipolaridade deixou há muito de ser conversa de pacifista.

No caso, quem age é a Rússia de Vladimir Putin, que em 2015 interveio militarmente em favor da ditadura de Bashar al-Assad em Damasco. Salvou o aliado da derrota e ocupou o espaço antes reservado a Washington como árbitro de conflitos regionais.

Assim, questionado dentro de casa pelo marasmo político-econômico e fora por sua ação na Ucrânia, o presidente russo conseguiu uma façanha diplomática: é interlocutor de todas as potências regionais, quase todas antagônicas entre si, no Oriente Médio.

Em favor de Trump, é preciso dizer que os Estados Unidos nunca tiveram interesse real pelo conflito que destroça a Síria desde 2011. Seu antecessor, Barack Obama, rebaixou-se ante às seguidas provocações de Assad e calou-se quando Putin apresentou-se ao jogo.

Problema maior para os interesses americanos é o que vem a seguir. Os sauditas, por exemplo, têm motivos para desconfiar da lealdade dos EUA —basta ver o tratamento dispensado à Turquia nos últimos anos e, agora, aos curdos.

Já Putin, seguidor de uma cartilha bastante cínica de não intervencionismo, coloca-se como um sócio confiável. Muito simbolicamente, ele foi recebido com pompas pela realeza em Riad enquanto a confusão se estabelecia na Síria.

Não é um caminho retilíneo o seguido pelo chefe do Kremlin, mas ele está avançando com a ajuda do antigo rival da Guerra Fria.

Muitos questionaram a sabedoria de investir energia num atoleiro como a Síria, mas a aposta de Putin está próxima de vingar completamente. A cena de blindados russos separando tropas curdas e sírias das turcas no norte do país parece selar este cenário.

Lembrando Machado de Assis, a Putin, as batatas.

editoriais@grupofolha.com.br

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