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Aprendizado político

Folha deixa defesa do parlamentarismo com voto distrital misto, pouco realista

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Fiscais conferem urnas após o plebiscito de 1993, que manteve o presidencialismo - Reprodução

Um legislador abstrato que fosse convocado para criar uma Constituição ideal a ser implantada num país imaginário faria bem em adotar o parlamentarismo.

Trata-se, em teoria ao menos, de um regime mais moderno, que apresenta vantagens sobre o presidencialismo, em especial no que diz respeito à solução de crises.

Afinal, é menos traumático dissolver um governo e convocar eleições do que promover um impeachment. Quanto aos legisladores, caso se comportem mal, podem ter seus mandatos abreviados.

Por essas razões, a Folha defendeu, a partir dos anos 1990, que o país adotasse o parlamentarismo, além de um sistema eleitoral que combinasse o voto distrital (um representante eleito por localidade) e o proporcional (como o atual), inspirado no modelo alemão.

No entanto, por considerar que tais propostas se tornaram pouco realistas, o jornal passa a advogar aperfeiçoamentos no sistema que aí está —o presidencialismo com votação proporcional para a Câmara dos Deputados. 

Por maiores que sejam as tentações do ideal, regimes políticos não existem num papel em branco; eles ocorrem em países concretos, que têm suas histórias peculiares.

 

Não se pode ignorar, por exemplo, que em 1963 e em 1993 os brasileiros foram às urnas com a oportunidade de escolher o parlamentarismo, e nas duas ocasiões o rejeitaram por ampla maioria.

Cumpre considerar ainda que nenhum arranjo político-eleitoral funcionará em seu potencial pleno se não gozar de um período prolongado de estabilidade, que dê ao eleitorado e a seus representantes a chance de aprender a navegar no cipoal de regras. Se estas mudam em poucos anos ou décadas, não há chance de amadurecimento.

Inexiste sistema perfeito —e não raro as sociedades que optam por determinado modelo passam a invejar as que preferiram outros caminhos. Cada qual, na verdade, tem pontos fortes e vulnerabilidades. Regimes parlamentaristas, em que pese lidarem bem com certos problemas, criam outros que não se observam no presidencialismo.

No presente momento, importantes democracias parlamentaristas que sempre pareceram sólidas vivem impasses graves.

Na Espanha, por exemplo, os socialistas venceram a eleição antecipada de abril, mas ainda não conseguiram montar uma coalizão que lhes permita formar um governo. É provável que os espanhóis tenham de voltar às urnas em breve, no terceiro pleito em três anos.

Problema muito parecido se dá em Israel —que já promoveu duas eleições neste ano, mas ainda não conta com uma aliança partidária capaz de governar o país.

Pode-se ampliar com o Reino Unido, onde o brexit (a decisão de abandonar a União Europeia) provocou uma crise para a qual não parece haver solução, ou a Bélgica, onde o impasse tornou-se crônico, fazendo com que o país passe por extensos períodos sem governo. Em 2010-11, foram 541 dias.

A questão do sistema de votação não se mostra menos complicada. Se o sistema distrital tem a tendência vantajosa de reduzir o número de partidos, desenhar distritos e atualizá-los periodicamente com base na evolução da demografia é simples apenas na teoria.

Na realidade, dá margem a todo tipo de manipulação política —dificuldade que sistemas proporcionais como o brasileiro ignoram.

Os americanos chegaram a criar um termo linguístico, “gerrymandering”, para designar a criação arbitrária de divisões eleitorais com a finalidade de favorecer algum grupo político.

São tantas as variáveis e as incertezas envolvidas nas reformas políticas de grande latitude que parece mais sensato apostar em pequenas mudanças que tragam ganhos incrementais ao sistema.
Parte dessas alterações já está contratada, felizmente.

A tímida cláusula de desempenho (a exigência de um mínimo de votos para que partidos tenham direito a determinadas verbas públicas) adotada em 2017, aliada à proibição de coligações para eleições proporcionais, a vigorar a partir do próximo pleito, deverá resultar numa progressiva diminuição do número descabido de partidos.

Não faria mal acelerar esse processo, que tende a favorecer a governabilidade. Há margem para uma cláusula de barreira mais rigorosa, como demonstra a experiência internacional.

Entre temas mais controversos, o fim da obrigatoriedade do voto é medida que, sem alterar o âmago do sistema, amplia a liberdade dos eleitores. Outro aperfeiçoamento meritório, embora com chances remotas no momento, seria o ajuste do cálculo das bancadas estaduais na Câmara, de modo a respeitar as proporções populacionais.

Sob o arranjo em vigor, com todas as suas falhas, o país vive o período democrático mais longo de sua história. Cumpre aprimorá-lo com cautela e realismo.

editoriais@grupofolha.com.br

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