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Idealizadores do Pavilhão das Culturas Brasileiras

Cultura abandonada

Concessão põe em risco joia do parque Ibirapuera

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Adélia Borges
Ana Helena Curti
Carlos Augusto Calil
Pedro Mendes da Rocha
Regina Ponte

 

A concessão do parque Ibirapuera à exploração pela iniciativa privada chega a momento crucial em São Paulo. O processo vem sofrendo vários questionamentos judiciais por colocar em risco o aspecto socioambiental e cultural do parque. 

O vereador Gilberto Natalini (PV), após concluir pela impropriedade da concessão, acionou a Justiça. Nesta Folha, o colunista Nabil Bonduki abordou a questão. De nossa parte, queremos nos ater a um ponto pouco falado: a cessão de uso da maior parte da área do prédio do Pavilhão Engenheiro Armando de Arruda Pereira à exploração comercial.

Feira de turismo realizada no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no parque Ibirapuera (zona sul de São Paulo) - Reinaldo Canato - 29.mai.15/UOL

Desde 2010, esse edifício foi destinado pela Secretaria Municipal de Cultura ao Pavilhão das Culturas Brasileiras, instituição museológica concebida como espaço de exposição e centro de referência e pesquisa voltado à salvaguarda e à divulgação da diversidade cultural brasileira. Foi inaugurado com a exposição “Puras Misturas”. O projeto recupera o espírito que norteou a Missão de Pesquisas Folclóricas, empreendida em 1938 por determinação de Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura e Recreação do Município, ação seminal de busca, inventário, valorização e difusão das culturas do povo brasileiro. 

A iniciativa de criação do Pavilhão das Culturas Brasileiras é fruto de demanda do Ministério Público de São Paulo, iniciada em 2004, para que o acervo do Museu de Folclore Rossini Tavares de Lima retornasse ao parque Ibirapuera, de onde havia sido despejado em 1999 para abrir espaço à celebração dos 500 anos.

O acervo dessa instituição inclui cerca de 3.600 objetos (cerâmicas, roupas, gravuras, pinturas, esculturas etc.), 2.200 fotografias, 400 registros sonoros e 9.750 livros ou documentos do acervo do antigo Museu do Folclore, além dos objetos coletados na missão promovida por Mário de Andrade, com expressivas peças contemporâneas de arte e design popular e de arte indígena.

O edital de concessão ignorou o valor inestimável dessa coleção e todo o esforço do poder público para restaurar o edifício tombado pelo patrimônio histórico e nele instalar um museu moderno de valorização da criação do artista brasileiro, no qual já foram investidos mais de R$ 21 milhões por prefeitura e BNDES. O edital de concessão oferece dois terços do edifício para exploração comercial pelo concessionário, na vaga expectativa de gerar renda.

Tal como foi apressadamente concebido, o edital, ora sob o escrutínio da Justiça, ignora o fato de ser inviável compatibilizar o uso do museu com atividades que visem angariar recursos para manutenção do parque, pois nem sequer foi prevista a natureza da exploração do espaço.

A convivência de funções incompatíveis num mesmo edifício colocaria o patrimônio cultural em risco e descaracterizaria o prédio de Oscar Niemeyer, reconhecido pelos órgãos de preservação do patrimônio histórico. Qualquer alteração no projeto representará um duro golpe às iniciativas de políticas públicas de valorização da diversidade cultural, esteio da nossa constituição como nação.

A subdivisão definida pela concessão proposta no edital afronta as diretrizes de tutela expressas na aprovação do projeto. Ele restringe para uso cultural área suficiente apenas para acondicionar o acervo, sem levar as necessidades das áreas expositivas, das destinadas ao centro de referência e pesquisa, da biblioteca, do auditório e do serviço educativo. Se consumada, a concessão vai praticamente trancar o acervo numa reserva técnica, impedindo o acesso público à coleção.

Alugar partes do seu edifício é hoje fonte de renda para muitos museus em todo o mundo. Mas a cessão temporária é feita sob a coordenação do próprio museu, a cuja direção cabe selecionar eventos que não apresentem riscos à integridade do edifício e do acervo ali presente e que agreguem valor cultural à instituição, contribuindo com os seus objetivos e premissas.

As concessões promovidas pela Prefeitura de São Paulo —estádio do Pacaembu e parque Ibirapuera— à iniciativa privada, feitas de improviso, parecem antes responder a um desejo de livrar-se do patrimônio sob sua responsabilidade que valorizar o interesse público, por meio de uma gestão eficiente, direta ou indireta. Assim feitas, soam apenas como declarações de incapacidade administrativa. 

O arquiteto Mauro Munhoz, diretor da Flip e autor do projeto do Museu do Futebol, questionou aqui nesta Folha a “lógica de shopping center” que regeu o contrato de concessão do Pacaembu por 35 anos, já assinado. No caso do Ibirapuera, ainda há tempo para barrar os vários pontos perniciosos do contrato, de forma a garantir que eventual parceria público-privada a ser efetuada salvaguarde o interesse público no amplo sentido do termo.

Adélia Borges
Curadora
Ana Helena Curti
produtora cultural
Carlos Augusto Calil
Professor e ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo (2005-2012; gestões Serra e Kassab)
Pedro Mendes da Rocha
Arquiteto
Regina Ponte
Gestora cultural

* Todos participaram do projeto de criação do Pavilhão das Culturas Brasileiras

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