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Gladis Massini-Cagliari

É possível incluir com qualidade no ensino superior

Sistema de cotas não piora nível dos cursos nem impacta evasão

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Gladis Massini-Cagliari

Presente em 24 cidades paulistas e com uma oferta de 136 cursos de graduação em 63 carreiras diferentes, a Unesp (Universidade Estadual Paulista) foi a primeira das três universidades públicas estaduais a adotar a política de reserva de vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino médio em escola pública, estabelecendo também uma cota para estudantes pretos, pardos e indígenas, correspondente ao percentual de participação dessas pessoas na população geral do estado de São Paulo. A reserva de vagas se estende a todas as turmas de todos os cursos e de todos os períodos.

O Sistema de Reserva de Vagas para Educação Básica Pública foi adotado pela primeira vez na Unesp no vestibular para ingresso em 2014, com 15% das vagas reservadas para egressos da rede pública, e seguiu uma implantação gradativa, que se estendeu por cinco anos, até atingir no exame para ingresso em 2018 o percentual de 50% de vagas reservadas a alunos oriundos de escolas públicas, regra que persiste até o vestibular em andamento.

Estudantes de música no Instituto de Artes da Unesp, em São Paulo - Bruno Santos - 01.fev.19/Folhapress

A partir da evolução desse sistema e das questões de permanência estudantil relacionadas, dado o crescimento da quantidade de alunos socioeconomicamente vulneráveis, tornou-se fundamental avaliar os índices de evasão. A importância de se investigar a influência da categoria de ingresso no risco de evasão reside na avaliação da pertinência (ou não) de argumentos contrários à adoção de um sistema de cotas para alunos de escola pública no ensino superior, de circulação comum quando se discutem sistemas de reserva de vagas em vestibulares, apontando um risco para a qualidade dos cursos. 

A Unesp desenvolveu uma pesquisa acompanhando os índices anuais de desistência dos cursos de graduação, de 2014 a 2018. O estudo apontou que, no plano geral da universidade, o comportamento da evasão nas três categorias de ingresso foi semelhante.

Os resultados indicaram que, quando se cruzam os dados em termos de modalidades (bacharelado e licenciatura, este último englobando os cursos de formação de professores) e grandes áreas (ciências exatas, biológicas e humanidades), o que se observa é que, nas licenciaturas em ciências humanas, o risco maior de evasão está no grupo que ingressou pelo sistema de vestibular universal —ao passo que, nas licenciaturas das áreas de exatas e biológicas, o risco de evasão não apresenta diferenças significativas nas três categorias.

Apenas nos bacharelados em ciências exatas e biológicas o risco de evasão é maior entre os estudantes oriundos das escolas públicas, enquanto nos bacharelados em ciências humanas ocorre o contrário: o risco de evasão é maior para os ingressantes pelo sistema universal.

De maneira geral, tais resultados realçam a importância social do sistema em vigor na Unesp, uma vez que, na média geral da universidade, não há diferenças significativas no risco de evasão apresentado nas três categorias de ingresso. Ou seja, o projeto de inclusão adotado progressivamente pela universidade não trouxe riscos à qualidade de seus cursos.

Em alguns casos específicos (como nos cursos da grande área de ciências humanas), as categorias relacionadas aos estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas estão relacionadas a um menor risco de evasão na Unesp. Isso leva, nesses casos específicos, à conclusão de que a adoção do sistema de reserva de vagas promove um preenchimento qualitativo das vagas oferecidas no que diz respeito à possibilidade de finalização do curso pelo ingressante e à sua possibilidade de ascensão social, projetando um retorno positivo do investimento público para a sociedade paulista.

Em um período em que as universidades públicas enfrentam dificuldades financeiras, é impossível vislumbrar a ampliação com recursos próprios do investimento em permanência estudantil na Unesp, na casa dos R$ 70 milhões anuais. Mas é possível sensibilizar outras esferas de governo e a própria sociedade dos resultados positivos de incluir com qualidade.

Gladis Massini-Cagliari

Professora e pró-reitora de graduação da Unesp

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