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Mônica Gorgulho

Os constantes desafios da redução de danos

Método também pode ser aplicado ao consumo de tabaco

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Mônica Gorgulho

Temos assistido à realização de várias mudanças na Lei de Drogas brasileira (lei 11.343), assim como na Política Nacional sobre Drogas. Na contramão de vários países que colecionam sucessos possíveis no trato com problemas relacionados ao consumo de SPAs (substâncias psicoativas), o atual governo brasileiro quer retomar o modelo de abstinência exclusiva, em lugar do defendido pela redução de danos (RD).

A proposta da RD —conjunto de práticas, programas e políticas— busca principalmente reduzir agravos físicos, psíquicos e sociais relacionados ao consumo de SPAs lícitas e ilícitas, para aqueles que não querem ou, mais importante, não conseguem interromper seu uso.

Mônica Gorgulho - Psicóloga clínica, mestre em psicologia social, ex-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos e ex-membro da diretoria-executiva da Associação Internacional de Redução de Danos
A psicóloga clínica Mônica Gorgulho - Divulgação

Na década de 1980, a RD, principal alternativa à disseminação da epidemia da Aids, consistia basicamente na distribuição de seringas e agulhas descartáveis para aqueles que não interrompiam o uso de drogas injetáveis e, assim, pudessem escapar de contaminações contraídas.

Iniciada na Inglaterra e Holanda, essa estratégia foi mal compreendida e rejeitada. Seus críticos a viam como uma forma de estímulo e/ou consentimento para o consumo. Mas, com sua aplicação, a pandemia da Aids foi contida, os direitos dos usuários de drogas debatidos e, em 2016, cem países no mundo todo já empregavam alguma abordagem de RD em suas políticas públicas ou práticas.

Com isso, a redução de danos despertou interesse no possível uso para a diminuição dos problemas causados também pelo consumo de substâncias lícitas, como álcool e tabaco. Em 2002, foi organizada a 1ª Conferência Internacional de Álcool e Redução de Danos. Novas críticas. Diziam que a RD aplicada ao álcool só levaria ao aumento de um consumo que já era exagerado, especialmente entre jovens. Na verdade, a regulamentação se tornou mais rigorosa, com melhores controles na venda para menores e na prática de dirigir alcoolizado.

Atualmente, é a indústria do tabaco que, diante da nova legislação internacional e da maior conscientização da população sobre os danos causados pelo cigarro, vem desenvolvendo produtos que prometem formas menos danosas de consumo da nicotina.

A convite da Phillip Morris Internacional, fui a uma reunião com o Serviço de Saúde Pública Inglês para conhecer a política em RD daquele país, e uma visita aos laboratórios da empresa, onde pesquisas têm buscado alternativas mais seguras ao uso do cigarro. Conheci produtos que não utilizam tabaco em sua composição, mas que contêm nicotina —substância responsável pelo prazer e dependência—, assim como outros que utilizam, além da nicotina, o tabaco aquecido e não queimado. Esse seria um uso menos danoso, uma vez que é a combustão do tabaco a responsável pelos subprodutos indesejados.

Estudos demonstram importante redução na exposição dos fumantes a substâncias patogênicas provenientes da combustão do tabaco. Severas críticas têm sido dirigidas à tentativa de se aplicar medidas de RD, agora ao consumo do cigarro. Dados clínicos ainda estão em andamento, sendo necessário mais tempo para conclusões seguras.

Em 2005 entrou em vigor a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, da Organização Mundial da Saúde, cuja meta é reduzir em 30% os fumantes acima de 15 anos, até 2025, em todo o mundo. Dados coletados já demonstram que a meta não será alcançada. Mas, ainda que fosse, a pergunta eterna e que caracteriza a redução de danos é: o que fazer com todos os que não conseguem interromper o uso do tabaco por mais que queiram e se esforcem?

A RD é uma alternativa à impossibilidade de interrupção de um comportamento comprovadamente danoso a certos indivíduos. Como criar ações que realmente diminuam o consumo de cigarros sem cair em soluções fáceis como aumentar o preço do produto, quando mais da metade dos 106 bilhões de unidades consumidas em 2018 no Brasil veio do comércio ilegal?

Não podemos repetir erros do passado, gastando bilhões e levando décadas na perseguição de expectativas pouco realistas. Afinal, a adultos, sem qualquer condição de vulnerabilidade, deveria ser dado o direito da livre escolha sobre o que interferirá diretamente em suas vidas.

Mônica Gorgulho

Psicóloga clínica, mestre em psicologia social, ex-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos e ex-membro da diretoria-executiva da Associação Internacional de Redução de Danos

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