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Pierpaolo Cruz Bottini

Os riscos do Coaf sob a tutela do Banco Central

Rebaixamento compromete o combate ao crime

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A proposta do governo federal de submeter o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) ao Banco Central é equivocada. E não são necessárias muitas linhas para expor as razões dessa afirmação.

A melhor forma de combater organizações criminosas é identificar e bloquear os seus bens. Ocorre que parte deles está escondido ou foi reinserido na economia por meio de operações simuladas e fraudes, como, por exemplo, com contratos fictícios ou negócios inexistentes. Impedir essa lavagem de dinheiro é essencial para recuperar tais bens e enfrentar o crime organizado.

O advogado e professor de direito penal Pierpaolo Cruz Bottini - Giovanni Bello - 22.ago.17/Folhapress

Como o Estado não tem capacidade de fiscalizar todas as formas de ocultar dinheiro sujo, diversos países —entre eles o Brasil— criaram um sistema de colaboração compulsória. Profissionais que trabalham nos setores mais usados por criminosos para lavar dinheiro devem notificar autoridades sempre que identificarem operações suspeitas, como pagamentos de altos valores em dinheiro vivo ou transferências de recursos sem razão aparente. Bancos, cartórios, seguradoras, joalheiros e leiloeiros de arte, dentre outros, têm a obrigação de avisar o poder público sempre que constatarem atos anormais ou fora de padrão. 

As Unidades de Inteligência Financeira (UIFs) são os órgãos que recebem essas comunicações, as organizam de acordo com sua origem e natureza, e as repassam às autoridades competentes para investigar a lavagem de dinheiro, como o Ministério Público. Em suma, sistematizam dados, identificam padrões e emitem relatórios sobre atos suspeitos. 

Como gestores de informações estratégicas, as UIFs têm papel central no combate à lavagem de dinheiro. Por isso, há uma tendência mundial de garantir sua autonomia institucional, livrando-as de ingerências políticas e de manipulações. Em regra, são entidades ligadas a ministérios da Fazenda ou da Justiça, com quadro próprio de servidores e estrutura orçamentária adequada.

A medida provisórias 893 segue no sentido contrário, pois submete a UIF nacional —antigo Coaf—ao Banco Central. Se o órgão antes tinha autonomia e independência por ser constituído apenas por servidores públicos, agora é subordinado a uma autarquia e terá em seu conselho membros do setor privado.

A medida é imprópria.

O Banco Central do Brasil tem funções e atribuições muito diversas da UIF. O primeiro regulamenta e fiscaliza as instituições financeiras. A segunda tem um âmbito mais abrangente, pois regula e troca informações com inúmeras entidades para além dos bancos, a maior parte delas sem relação com as atividades do Banco Central. 

Em 2018 a UIF brasileira recebeu mais de 100 mil comunicados de comerciantes de bens de luxo, transportadoras de valores, imobiliárias, cartórios e outros, não regulados pelo Banco Central. Se estiver subordinada a este último, a UIF terá dificuldades para normatizar, firmar convênios, cooperar, pedir ou receber informações destes entes estranhos ao sistema financeiro. O fluxo de informações, que hoje funciona bem, pode ser comprometido.

Para além disso, admitir agentes privados no Conselho da UIF poderá afetar a sua atuação, seja pela eventual falta de experiência em atividades públicas, seja pelo risco de compartilhar informações sigilosas e sensíveis com pessoas não submetidas ao rigor disciplinar imposto aos servidores públicos.
Por fim, a MP não prevê mandato para os conselheiros da UIF, comprometendo sua independência ao subordiná-los a atos de vontade de dirigentes do Banco Central.

A existência de uma UIF forte e autônoma é a chave para prevenir e combater a lavagem de dinheiro. Ao rebaixar seu status institucional e submetê-la a autarquia com atribuições distintas, o governo federal coloca em risco um mecanismo importante para o combate ao crime organizado, seguindo na contramão do mundo e de sua própria diretriz de reforçar a segurança pública.

Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado, professor de direito penal da USP e presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da OAB

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