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Leandra Gonçalves, Ronaldo Francini Filho e Daniele Vila Nova

Petróleo em Abrolhos: ameaça em ondas pode virar tsunami

Eventual vazamento de óleo pode afetar ecossistema

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Leandra Gonçalves Ronaldo Francini Filho Daniele Vila Nova

O leilão de blocos de exploração de petróleo próximo ao arquipélago de Abrolhos, previsto para este mês, representa uma ameaça ao maior banco de recifes de corais do Atlântico Sul —área fundamental para preservação de biodiversidade marinha e lar de um estoque de peixes que sustenta 20 mil pessoas em famílias de pescadores.

Em caso de derramamentos de óleo, seriam seriamente afetados ecossistemas sensíveis de Abrolhos, no sul do litoral baiano, ao norte do Espírito Santo. O tráfego de embarcações e a infraestrutura portuária promoverão impactos crônicos, como a introdução acidental de espécies exóticas (por exemplo, o coral-sol, espécie invasora agressiva que afeta corais nativos se dispersa por plataformas de petróleo).

Em primeiro plano, é mostrado um grupo de sete pessoas dentro de um barco de médio porte. Todos estão virados para o mar observando ou fotografando a cauda de uma baleia, ao fundo
Turistas observam baleia jubarte (ao fundo) durante passeio em alto-mar na região de Abrolhos (BA) - Enrico Marcovaldi - 11.abr.18/Instituto Baleia Jubarte

Além dos recifes, vazamentos de petróleo poderiam afetar o maior banco de algas calcárias do mundo e a principal área de reprodução das baleias jubarte. Margeado por manguezais, berçários da vida marinha e refúgios fundamentais para a produção de peixes, Abrolhos não apenas possui a maior produção pesqueira da Bahia, mas é também um dos principais polos turísticos do país, gerando cerca de 80 mil empregos.

Neste que será o 16º leilão da ANP (Agência Nacional de Petróleo), é particularmente preocupante a inclusão de áreas de exploração da bacia sedimentar de Camamu-Almada. Desde 2003, a polêmica decisão sobre explorar petróleo e gás em Abrolhos vaivém na agenda das políticas de desenvolvimento energético.

Inicialmente, o governo federal chegou a cogitar a inclusão de 243 blocos na área de abrangência dos bancos de Abrolhos e de Royal Charlotte. A medida não foi implementada em sua integridade, devido à resistência de ambientalistas, cientistas, analistas ambientais e do Ministério Público Federal, o que levou a ANP a excluir 178 desses blocos às vésperas do leilão. Naquele mesmo ano, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) determinou que não estariam aptas à licitação áreas com restrições ambientais apontadas em manifestação conjunta da agência reguladora e de órgãos ambientais.

Entretanto, em 2010, uma decisão judicial, com apoio do governo da Bahia, liberou a atividade petrolífera no entorno de Abrolhos, o que autorizou 5 empresas detentoras de 16 concessões para atuar na área: Petrobras, Perenco, Queiroz Galvão, Shell e ONGC.

A ANP também foi autorizada a promover novas licitações nessa área. Já em 2017, a resolução da CNPE foi revogada e, em dezembro de 2018, o conselho autorizou a realização da 16Rodada de Licitações, prevista para ocorrer ainda neste mês de outubro.

Desde 2002, Abrolhos é considerada área de “Extrema Importância Biológica”, classificação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) mantida em 2018. Abrigando um mosaico de unidades de conservação, ela faz parte do programa GEF-Mar, da Global Environment Facility, que prevê aporte de US$ 40 milhões para fomentar o desenvolvimento sustentável, além de investimentos de 12 milhões de euros do Projeto Terramar (parceria da Alemanha com o Brasil).

A importância da preservação do banco de Abrolhos é um consenso ancorado em pesquisas científicas, estudos de impacto ambiental contratados por empresas petrolíferas e relatórios técnicos do MMA que indicam que impactos na região poderão afetar, em curto período de tempo, importantes áreas com espécies ameaçadas de extinção e que não ocorrem em nenhum outro lugar do mundo.

Nesse cenário, não é difícil prever qual será a nova tragédia socioambiental em um futuro próximo que, além de destruir um patrimônio biológico inigualável, manchará mais uma vez a imagem do Brasil mundo afora.

Leandra Gonçalves

Pesquisadora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo

Ronaldo Francini Filho

Professor do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba

Daniele Vila Nova

Diretora Científica da Paiche; este artigo também é subscrito pela Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 70 cientistas de instituições de pesquisa de todas as regiões brasileiras

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