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Dinamam Tuxá

Sabemos combater as mudanças climáticas

Direito dos índios à terra é ação das mais eficazes

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Em 20 de setembro de 1519 o português Fernão de Magalhães partiu de Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, para a primeira viagem de circum-navegação. Essa expedição provou, na prática, que o planeta é esférico. Não é, evidentemente, uma data a ser comemorada pelos povos indígenas, já que as Grandes Navegações foram a maior calamidade que se abateu sobre nós. 

Só lembro a data por uma razão: passados 500 anos redondos, pessoas que ainda acreditam que a Terra é plana querem nos tutelar; que gente que nega a existência das mudanças climáticas, diante de tantas evidências, pensa que sabe o que é melhor para nós. Se deixarmos nos guiar por essa turma que parou no tempo, só não cairemos pela borda do globo por motivos óbvios.

O líder indígena Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) - Tolga Akmen - 24.out.17/AFP

Os europeus do século 16 se lançaram ao mar para confirmar empiricamente o formato do planeta. Nós, indígenas, não precisamos sair de nossas terras para comprovar a existência de um desequilíbrio no clima. Entretanto, nosso conhecimento é, da mesma forma, prático. Ao longo dos anos notamos as variações nos ciclos da chuva e no comportamento dos animais, sentimos na pele as variações na temperatura. Vivemos em contato com a natureza, não em uma selva de pedra. Hoje há consenso entre as pessoas sensatas de que o verde é fundamental para conter o avanço das mudanças climáticas. Nossos territórios são os mais preservados e, logo, o nosso conhecimento é necessário.

Durante a campanha eleitoral, o atual presidente disse que sua intenção era que o país voltasse a ser o que era “há 40, 50 anos”. É preciso reconhecer que ele está se esforçando para chegar lá; mas o resto do mundo não poderia dar este grande salto para o passado nem se quisesse. Dos anos 1970 para cá o planeta sofreu estragos consideráveis. Danos que não poderiam ser previstos naquela época, mas que hoje a ciência comprova; prejuízos não podem ser revertidos por decreto.

Convém lembrar que a cobiça e os erros de Fernão de Magalhães o levaram à morte. Devido a essa política retrógrada, o Brasil abriu mão de sediar a conferência climática da ONU (COP25) deste ano. O encontro será em Santiago, no Chile, em dezembro. Fomos convidados a participar de uma série de eventos preparatórios que se realizaram nos Estados Unidos —o mais importante deles é o Climate Action Summit. Não fugimos à responsabilidade.

Os povos tradicionais protegem um terço das florestas tropicais do planeta. Por isso nossa importância foi reconhecida no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)

O documento, lançado em agosto por especialistas de todo o mundo, afirma que garantir o nosso direito à terra é uma das ações mais eficazes para que a humanidade vença essa crise. Não precisamos de tutela e não temos a intenção de pajear ninguém. Estamos, sim, dispostos a ajudar. Sabemos que a luta agora não é somente por nossos direitos, mas pela sobrevivência da espécie humana.

Dinamam Tuxá

Coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e integrante da Aliança Global de Comunidades Territoriais, coletivo formado por indígenas de Brasil, Indonésia, América Central e Caribe

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