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Antonio Rodrigues de Freitas Júnior

A taxação do seguro-desemprego vai ajudar na criação de vagas para jovens? NÃO

Caminho para o primeiro emprego é capacitação e qualificação

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O legendário arqueiro e espadachim do folclore inglês é um tipo ambíguo de herói: Robin Hood rouba, embora pegue dos ricos para amparar os pobres. A recente MP do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo recria invertida uma versão do arqueiro inglês: onera o trabalhador desempregado, taxando o seguro-desemprego, para isentar encargo de patrão que recrute jovens.

Aplauda-se o governo por reconhecer, finalmente, que o dom da regulação não está entre as virtudes desse mercado. Cabe sim ao Estado o papel de fixar regras legais e intervir no mercado de trabalho, estabelecendo limites para a autonomia da vontade e metas dissuasórias para práticas ou resultados socialmente indesejados, como a de não admitir jovens ou de descartar precocemente o idoso para o abrigo da Previdência pública.

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior - Professor de direito do trabalho e direitos humanos da Faculdade de Direito da USP,  um dos autores de ‘O Centenário da Organização do Trabalho no Brasil’ (ed. Virtualis) e ex-secretário Nacional de Justiça (2002, governo FHC)
O professor de direito do trabalho Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, ex-secretário Nacional de Justiça - Divulgação

Apesar desse avanço, o governo continua refém de uma premissa errada. Teima ao não reconhecer que o trabalho, embora possa ser objeto de compra e venda, a exemplo da terra e da moeda, não é propriamente uma mercadoria nem reage satisfatoriamente a estímulos de oferta. 
 

E isso não apenas por motivos éticos como também por força seus predicados fáticos. Apenas para exemplo: um empregador, como agente econômico racional, não toma a séria decisão de admitir um trabalhador porque ele esteja barato, seja em salário ou direitos. Nesse “mercado” ficto a decisão de “consumir” não responde a descontos, pechinchas, nem a promoções tipo Black Friday. Se assim fosse teríamos no Brasil a chave para o combate ao desemprego; e bem sabemos que os passos largos da reforma trabalhista de 2017 nessa direção já teriam produzido resultados tangíveis.

Mas não é só. A MP tropeça também em flagrantes inconstitucionalidades. Vejamos duas das mais evidentes:

1 - Nas incontáveis mudanças legais efetuadas por seus 53 artigos, tratando de trabalho aos domingos a emprego de jovens, e outros “jabutis”, a MP está longe de satisfazer o requisito da “relevância e urgência” imposto pelo artigo 62 da Constituição. O atalho do recurso a medida provisória, nesses casos, não apenas agride a Constituição como desmerece o Congresso como o genuíno protagonista da deliberação legislativa; o que não é bom para o mercado, para o trabalho nem para a democracia;

2) O incentivo ao primeiro emprego é um desafio do século 21 que não reage a políticas do século 19. Torná-lo ainda mais barato não o faz atraente, além de que, no caso do Brasil, claramente afronta o artigo 7º, inciso XXX, da Constituição: “proibição de diferença de salários, de exercício de atividade e de critério de admissão por motivo de (...) idade”. Nossa Constituição autoriza ação afirmativa somente com relação ao “trabalho da mulher” (artigo 7º, inciso XX) e do trabalhador com deficiência, como reza a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Haverá quem refute: então não podemos fazer nada? Vamos deixar nossos jovens ao desamparo? É isso o que a Constituição quer?

Podemos, sim. E o primeiro passo pode ser o de conhecer o que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem a nos recomendar na desafiadora agenda do primeiro emprego. 

O caminho não é reduzir direito nem salário, mas acrescentar capacitação e qualificação. Jovem é preterido não por que tem espinhas no rosto, mas porque não está profissionalmente maduro. E maturidade, em tempos de corrida tecnológica, é sinônimo de educação.

Longa vida ao velho Robin Hood!

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior

Professor de direito do trabalho e direitos humanos da Faculdade de Direito da USP, um dos autores de 'O Centenário da Organização do Trabalho no Brasil' (ed. Virtualis) e ex-secretário Nacional de Justiça (2002, governo FHC)

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