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Macaé Evaristo

Para onde as cotas nos levam

Não há desqualificação do ensino, mas aprendizado

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Dezoito anos após a Conferência de Durban, na África do Sul, pretos e pardos pela primeira vez são maioria na educação superior no Brasil, informa o IBGE. Constata-se aumento extraordinário de estudantes pretos, pardos e indígenas, especialmente depois da lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas.

É fato que, a partir de 2001, os governos serão fortemente influenciados pelo debate público catalisado por várias organizações do movimento negro, que advogaram a elaboração de propostas de superação do racismo, posto em relevo pela realização da conferência.

A educadora Macaé Evaristo, ex-secretária de Educação de Minas Gerais - Reinaldo Canato - 27.set.17/Folhapress

Em especial, as propostas voltadas para a educação: acesso à educação para todos e todas na lei e na prática; adoção e implementação de leis que proibissem a discriminação com base em raça, cor, descendência, religião, origem nacional ou étnica em todos os níveis de educação, tanto formal quanto informal; medidas necessárias para enfrentar os obstáculos que limitassem o acesso de crianças à educação; recursos para eliminar desigualdades nos rendimentos educacionais; apoio aos esforços para garantir um ambiente escolar seguro, livre da violência e de assédio motivados por racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; estabelecimento de programas financeiros desenhados para capacitar todos os estudantes, independentemente de raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional a frequentarem instituições de ensino superior.

Os governos do campo democrático e popular (Lula e Dilma) aceleraram o passo para um período de oportunidades para todos com expansão do quadro da oferta de ensino superior público e ampliação de mecanismos de acesso às instituições privadas, com o fortalecimento do Fies e a criação do Prouni, além das cotas sociais.

Felizmente, contrariando o discurso conservador que apostava na desqualificação do ensino superior, a presença de pretos e pardos nas universidades tem provocado inúmeros aprendizados e tensões, que vão desde a construção do hábito de conviver com a presença negra na paisagem universitária até um entendimento público da necessidade da construção de uma educação antirracista, no sentido de criar mecanismos institucionais que permitam a permanência desses estudantes.

Assistência estudantil, programa Bolsa Permanência, bolsas de pesquisa e extensão, novas estruturas acadêmicas e procedimentos administrativos e/ou jurídicos específicos e reestruturação curricular são alguns dos elementos com os quais a presença negra indaga a universidade na produção de novos conhecimentos, significados e experiências. 

Vale lembrar aqui as múltiplas estratégias que estudantes negros têm adotado para suportar a sua permanência em ambientes ainda hostis e conservadores, que vão da denúncia de fraudes nos processos de autoidentificação à organização de coletivos de ajuda mútua. 

Um exemplo desse movimento foi o surgimento do grupo de estudos “Orientação Afirmativa”, fruto do voluntariado das estudantes Pâmela Guimarães, Mayra Bernardes e Lucianna Furtado, visando preparar candidatos negros que pretendiam ingressar no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFMG. Além disso, a juventude negra tem buscado novas formas de organização para garantir políticas públicas afirmativas em diferentes campos.

Entretanto, é um erro supor que tudo o que precisamos é somente da constatação de uma maioria preta e parda na educação superior. Numa análise mais detalhada dos indicadores sociais brasileiros pode-se desvelar, ainda, que os estudantes quilombolas quase não foram alcançados nesse processo; que um grande número de pessoas negras continua em situação de pobreza extrema; que um número absurdo de pessoas negras está nos presídios e que o mesmo Estado, que insere na universidade, produz uma matança sem precedentes de jovens e crianças nos territórios negros desse país.

O que podemos aprender com as cotas é que a mudança é possível e que os movimentos de massa, no caso, o movimento negro, podem, de fato, promover mudanças sistêmicas que humanizem as relações sociais e que também beneficiem outros segmentos. Nosso grande desafio continua sendo construirmos portas e janelas para desmantelar o racismo estrutural da sociedade brasileira.

Macaé Evaristo

Educadora, ex-secretária de Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (2013-14, governo Dilma Rousseff) e ex-secretária de Estado de Educação de Minas Gerais (2015-18, governo Fernando Pimentel)

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