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Glademir Aroldi

A proposta de extinguir municípios com menos de 5.000 habitantes é adequada? NÃO

Projeto ignora realidades locais e impacto na vida dos cidadãos

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Glademir Aroldi

Quando se coloca em risco a autonomia de um terço dos municípios brasileiros com base em uma proposta que ignora a realidade local e os impactos aos cidadãos, é possível chamá-la de um novo pacto federativo? Isso é o que faz trecho da PEC 188/2019, o qual determina que serão incorporados a municípios limítrofes aqueles com menos de 5.000 habitantes que não atingirem, até 2023, o mínimo de 10% dos impostos municipais sobre a receita total.

Esse critério fiscal ignora indicadores como prestação de serviço à população e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Além disso, há um grande equívoco no que chamam de receita própria. É um erro considerar apenas ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis), IPTU e ISS como receita própria municipal. Outros tributos, arrecadados pela União e pelos estados, são fruto do que acontece em cada município do Brasil, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o IR e o ICMS. Por pertencerem aos munícipes, são distribuídos aos entes locais por cota-parte —seguindo modelo instituído na Constituição de 1988.

O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Glademir Aroldi - Pedro Ladeira - 9.abr.19/Folhapress

Em termos socioeconômicos, destaca-se que os municípios que podem ser extintos possuem semelhante renda per capita aos demais, IDH maior, menor proporção de pobres e domicílios em situação de pobreza, maior participação nos pleitos eleitorais e maior geração de empregos formais e estabelecimentos empresariais.

Hoje, 1.217 municípios seriam extintos conforme os critérios da PEC. O impacto, no entanto, alcançaria 1.820 cidades, que teriam perdas de mais de R$ 7 bilhões ao ano no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso porque, mesmo recebendo a população vizinha, não ocorre mudança de coeficiente. Ressalta-se ainda que, se a proposta considerasse todos os 5.568 municípios, 82% deles não cumpririam a exigência tributária da PEC, o que mostra como o critério estabelecido não considera a realidade municipal e não será a solução para os problemas enfrentados pelo país. 

O próprio governo federal, por meio do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reconheceu em entrevistas à imprensa que a proposta é “incompatível do ponto de vista real”.

Com dimensão continental, o Brasil adotou um modelo federativo que deveria priorizar a gestão local para a execução da política pública, assim como fazem países da Europa. A Alemanha, por exemplo, com território que corresponde ao estado de Mato Grosso do Sul, possui mais de 11 mil municípios e um modelo descentralizado, onde o poder local é tido como o caminho para o desenvolvimento nacional. 

 

Aqui, no entanto, desde que foi promulgada a Constituição, os municípios aguardam a regulamentação do chamado pacto federativo. Nesse período, foram repassadas cada vez mais atribuições para os entes locais sem a devida contrapartida financeira e de corresponsabilidade. Com a desigualdade de distribuição da arrecadação, os municípios ficam com apenas 19% do bolo tributário, enquanto estados partilham 31%, e União, 50%.

A PEC tem pontos positivos, e o movimento municipalista os reconhece, mas falha gravemente ao propor que mais de 33 milhões de habitantes de 1.820 municípios brasileiros sejam diretamente prejudicados com a extinção e a incorporação dessas localidades.

 

Os prejuízos, caso a matéria seja aprovada da forma que foi apresentada, serão enormes, e vão além do aspecto econômico, envolvendo pessoas físicas e jurídicas. Precisamos, urgentemente, de um pacto federativo real. Essa é a luta permanente do movimento municipalista.

Glademir Aroldi

Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), é graduado em gestão pública e ex-prefeito de Saldanha Marinho (RS) por três mandatos (1993-96 e 2001-08)

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