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Marcos Camargo

Ciência e segurança pública

Apesar de avanços, cenário brasileiro continua alarmante

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O Brasil experimentou nos últimos anos um sentimento de diminuição da impunidade para os mais ricos e poderosos, sobretudo por causa dos resultados da Lava Jato. Também existe, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma tendência de queda no número de assassinatos, que passaram de 60 mil, em 2017, para 51,5 mil em 2018.

Neste ano, de janeiro a setembro, foram quase 31 mil assassinatos, e o balanço final deve registrar nova redução. Apesar dos avanços, o cenário brasileiro continua alarmante. Quase diariamente a imprensa revela novos casos de corrupção. E crimes violentos seguem gerando estatísticas de guerra.

Marcos Camargo - presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais
O perito Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais - Divulgação


Nesta quarta-feira (4), Dia da Perícia Criminal, carreira responsável pela avaliação científica das provas materiais usadas nos processos penais, cabe a reflexão sobre as distorções na forma como o país opta por combater o crime do colarinho branco e o violento.

A fim de evitar retrocessos, é preciso questionar a opção do Estado, ratificada por diferentes governos e partidos, de usar quase que exclusivamente ações de repressão e criação de novas leis e penalidades como ferramentas de combate à criminalidade. São raras, porém louváveis, as iniciativas em que essas ferramentas são usadas em conjunto com o arcabouço técnico-científico, que é imprescindível na busca por resultados definitivos e de longo prazo.

Enquanto a pura repressão, usada de forma atomizada, consegue aliviar problemas imediatos e pontuais, a criação ou o endurecimento de penalidades —medida sempre proposta depois que ocorre alguma tragédia ou escândalo— tampouco é capaz de inibir a repetição e a continuidade dos delitos porque, simplesmente, os criminosos confiam que não serão pegos ou que terão a oportunidade de adentrar em discussões totalmente alheias aos atos cometidos e, assim, escapar do sistema penal.

Com relação aos delinquentes não serem pegos, é preciso notar que os bancos de dados capazes de embasar políticas e investigações eficientes ainda são subutilizados no país. O Sistema Nacional de Análise Balística, se efetivado, ajudaria a solucionar crimes cometidos com armas de fogo.

Já a determinação da composição química de entorpecentes, associada a dados sobre o desvio de produtos químicos usados na preparação de drogas, permitiria até mesmo estimar com precisão a quantidade de substâncias ilícitas que circulam no país. Esse número, hoje inexistente, daria sentido às estatísticas, uma vez que saberíamos o percentual do total que as apreensões representam.

Exceção é a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, que neste ano recebeu atenção do Ministério da Justiça para ampliar o número de perfis incluídos nos bancos de DNA, que permitem cruzar o material genético colhido em cenas de crimes com o de criminosos já condenados por delitos violentos ou hediondos.

Sobre a chance de entrar em discussões alheias aos atos praticados, chama atenção a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de desautorizar a execução de penas após condenação em segunda instância. A partir desse entendimento, fica fortalecida a ideia de que o foco dos julgamentos, em vez de estar no conteúdo probatório, fica nos aspectos burocráticos dos processos. As provas materiais, que podem provar a culpa ou a inocência dos acusados, inevitavelmente, ficam relegadas a segundo plano.

A contradição entre os avanços na área forense e o cenário ainda preocupante do combate ao crime no Brasil reforça a ideia de que é preciso rever a prioridade dada a ações reativas e, finalmente, elevar os métodos científicos e a prova material ao papel de protagonistas. Essa mudança contribuiria efetivamente para o fim da impunidade, mas também agregaria mais qualidade às políticas públicas.

Marcos Camargo

Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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