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Ciência na praça

Lista da revista Nature indica que pesquisador não pode dirigir-se só aos pares

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O ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão - Lucas Lacaz Ruiz - 5.ago.18/Folhapress

O público brasileiro tem suas razões para atentar aos nomes do físico Ricardo Galvão e da ativista Greta Thunberg na lista, compilada pela revista Nature, dos dez nomes que fizeram diferença na ciência em 2019. Ambos despontaram no debate político nacional depois de vilipendiados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

A relação, porém, tem significado maior que um desagravo ao pesquisador que teve de deixar o governo ou a uma adolescente inspiradora de movimento mundial. Ética, numa palavra, é o que sobressai na homenagem da Nature.

Galvão e Thunberg se projetaram por defender a ciência e seus dados perante os que persistem em negá-los. Numa época em que muitos se esforçam por fazer opiniões pesarem tanto quanto evidências, tiveram a coragem de reafirmar a importância do comprovado em detrimento das meras convicções.

Não foram os únicos, na relação da revista, a tomar partido da integridade. Foi também movida por valores que a ecóloga argentina Sandra Díaz coordenou 145 pesquisadores no maior levantamento sobre biodiversidade na Terra, no qual se constatou que 1 milhão de espécies enfrenta risco de extinção sob pressão humana.

Nenad Sestan liderou estudo nos Estados Unidos mostrando ser possível reativar funções em cérebros retirados de porcos. Cioso das implicações conceituais acerca do limiar entre vida e morte, teve o cuidado de chamar especialistas em bioética para debatê-las.

O chinês Hongkui Deng impôs-se limites éticos quando usou técnicas de modificação de genes para tornar células resistentes ao HIV e introduzi-las em pacientes. Wendy Rogers, eticista australiana, documentou casos de transplantes realizados na China com órgãos obtidos sem consentimento, inclusive de prisioneiros executados.

Aparecem na compilação da Nature, por certo, façanhas científicas mais convencionais. A mensagem central, contudo, diz respeito à ampliação do alcance da pesquisa na sociedade contemporânea.

O cientista não pode mais ser apenas um especialista que se dirige unicamente a seus pares. Deve refletir e justificar-se quanto à escolha de objetos de pesquisa, além de comunicar-se com os leigos sobre impactos de seus achados.

É em praça pública, sem temer a discussão de valores, que será feita a melhor defesa da ciência contra os ataques concertados da ignorância e da ideologia.

editoriais@grupofolha.com.br

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