Quase metade das pessoas avalia hoje a democracia como sistema que funciona mal, apesar de 67% acreditarem que ela seja insubstituível. São conclusões do estudo internacional Democracias sob Tensão, que acaba de ser divulgado e que entrevistou 30 mil pessoas em 42 países democráticos, incluindo o Brasil. O levantamento foi elaborado pela Fundação para a Inovação Política.
Chama a atenção o fato que mais de um terço dos entrevistados se mostraram favoráveis à adoção de um sistema epistocrático —restrição ao direito de voto, que passaria a ser exclusivo para pessoas com determinado nível de conhecimento ou formação, elevando-se o patamar a 50% na faixa de pessoas até 35 anos, na qual se situam os jovens.
Também um terço dos entrevistados aceitam com naturalidade a ideia de um governo autoritário, que despreze o Legislativo e a realização de eleições democráticas, parcela esta que sobe para 38% entre os mais jovens —o que vem ilustrado pela ascensão ao poder de populistas autoritários como Putin, na Rússia; Orbán, na Hungria; Erdogan, na Turquia; Trump, nos Estados Unidos; e Maduro, na Venezuela.
Como bem examinam Ziblatt e Levitsky, professores de ciência política em Harvard e autores do livro “Como as Democracias Morrem”, os líderes, nos casos mencionados, chegaram ao poder cumprindo as regras ditadas pelo jogo democrático. Mas, depois, usaram-no para desconstruir os pilares da democracia.
Nesses casos, os instrumentos de defesa do sistema não funcionaram. Especialmente os partidos políticos, que deveriam barrar os mal-intencionados ao distribuírem as candidaturas. Segundo o mesmo estudo, observadas diversas instituições e os respectivos níveis de confiança, ela é baixa ou inexistente justamente em relação aos partidos para 77% dos entrevistados, patamar muito maior que as demais.
Entre nós, em que se mostram agudos a crise de representatividade política e o total descompromisso entre partidos e os valores da democracia intrapartidária, da “accountability” e do “compliance”, a situação é ainda mais séria e grave quando lembramos que o Latinobarómetro já apontara que, na visão dos brasileiros, apenas 7% dos detentores do poder usam-no para o bem comum.
Assim, parece anacronismo que a democracia se baseie no exercício do poder em nome do povo, pelo povo e para o povo. As candidaturas independentes admitidas em 90% dos países democráticos ocidentais ampliariam saudavelmente a competitividade pelo voto.
No pacote anticrime, negociado politicamente, incluiu-se um “jabuti” —elemento não debatido, estranho ao objeto do projeto— para servir como instrumento de “lavagem de fichas-sujas”, permitindo acordos em matéria de improbidade administrativa.
A manobra visou criar atalho legal para viabilizar a participação de fichas sujas nas eleições de 2020 e acontece sintomaticamente após manifestações de muitos políticos no sentido de simplesmente revogar a lei da ficha limpa. A absurda narrativa (num país com educação de baixa qualidade e cidadania rasa): o povo deve ter o direito soberano de escolher livremente entre candidatos ficha suja ou ficha limpa.
O veto parcial admite acordos, permitindo que sejam celebrados por Procuradorias dos estados ou municípios, não dotadas de independência e subordinadas aos Executivos estaduais e municipais. O mais grave, no entanto, é a criação açodada da figura do juiz de garantia, cindindo competências jurisdicionais. Esse decidiria durante a investigação, e o juiz de instrução, a partir do recebimento da denúncia.
É impossível reestruturar radicalmente em 30 dias um sistema de Justiça em que 40% das varas têm um único juiz no Brasil (isso já levou a AMB a pedir a declaração de inconstitucionalidade da lei).
A inviabilidade prática operacional pode levar advogados a pedir anulações de processos e até mesmo a postular o impedimento do ministro Fachin para julgar o mérito de casos da Lava Jato, o que pode transferi-los para a Primeira Turma do STF.
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