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Confrontos estéreis

Na educação, governo Bolsonaro deixa gestão em favor de picuinhas ideológicas

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O ministro da Educação, Abraham Weintraub - Pedro Ladeira/Folhapress

Principal instituição federal na área do ensino básico, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dispõe de um dos maiores orçamentos do Executivo, acima dos R$ 30 bilhões anuais. Apenas neste primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o FNDE já passou pelo comando de três presidentes.

O padrão caótico não se limita aos escalões inferiores. O presidente já nomeou dois titulares para o MEC e, segundo se noticia, poderá escolher em breve um terceiro —e nem mesmo haverá motivo para lamentar a descontinuidade de algum trabalho ora conduzido por Abraham Weintraub.

O descalabro na pasta não se limita, infelizmente, à alta rotatividade da qual não raro participam personagens de baixa qualificação ou parca experiência.

No ensino básico, cujo provimento cabe principalmente aos estados e municípios, o papel do governo federal é, além de complementar recursos, avaliar a qualidade e propor diretrizes. Pouco ou nada se observa nesse sentido.

Num exemplo, discute-se no Congresso a renovação e a reforma do Fundeb, que financia escolas de regiões pobres com ajuda da União. O mecanismo depende de mudança constitucional e regulamentações para que continue em vigência a partir de 2021. Há pressa, pois.

Durante quase o ano inteiro, parlamentares discutiram o tema com o Ministério da Economia. Faz pouco, para estupefação geral, Weintraub falou vagamente em apresentar uma nova proposta de emenda à Carta —hipótese que, levada a sério, elevaria o risco de colapso no financiamento da educação.

Tampouco se percebe um plano objetivo para a melhoria da alfabetização de crianças. Lançou-se por decreto, no início do ano, uma nova política nacional, cujos detalhes de implementação permanecem desconhecidos. 

Não há estratégia, dinheiro definido, metas ou diálogo para que tal iniciativa, que também depende dos demais entes federativos, tenha efeito no ano didático de 2020 —e registre-se que a alfabetização constitui prioridade declarada do governo Jair Bolsonaro.

Existem promessas de criação milionária de vagas no ensino técnico, mas não articulação com estados e municípios, que dirá dinheiro, para levar a ideia além do devaneio. Permanece vago e incerto até mesmo um programa da predileção do presidente da República, as escolas cívico-militares, capricho sem fundamento técnico.

O que parece mover Weintraub de fato é a picuinha —à qual procura dar ares de batalha— político-ideológica, motivo frequente de sua verborragia nas redes sociais.

Tome-se o caso de novo mau desempenho do Brasil no exame internacional Pisa, que a cada três anos avalia alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências. Ao comentar os resultados de 2018, o ministro limitou-se a um proselitismo raso: a culpa seria do PT e da doutrinação esquerdista.

Esse ânimo se mostra mais evidente quando se trata do ensino superior, um dos alvos preferenciais do bolsonarismo.

Os insultos gratuitos às universidades públicas, seus professores e estudantes transformaram em crise o que deveria ter sido uma mera imposição orçamentária —o bloqueio de cerca de R$ 2 bilhões em verbas das instituições, promovido no início do ano e já revertido.

O governo estava ainda em seu quinto mês quando ruas do país foram tomadas por protestos em defesa da educação, uma preocupação que não pode, de fato, ser minimizada nas atuais circunstâncias.

Lançou-se em julho um projeto, batizado de Future-se, com o objetivo, sensato em teoria, de levar mais dinheiro privado para os estabelecimentos públicos. Entretanto a iniciativa, que carecia de diálogo e solidez técnica, nem mesmo chegou ao Congresso até aqui.

Padrão semelhante de mandonismo hostil se nota em medida provisória, editada na véspera de Natal, que pretende alterar o processo de escolha de reitores das universidades federais.

O texto determina que o voto dos professores terá peso de 70% na formação de uma lista tríplice a ser submetida ao presidente, impedindo consultas paritárias entre docentes, alunos e funcionários.

Se não há dúvida que o sistema atual de eleições tem o defeito de estimular o corporativismo, seu redesenho demanda debate amplo que não cabe nos 120 dias de tramitação de uma MP.
A opção por tal instrumento, no apagar das luzes de 2019, parece mais um sinal de que na educação o confronto estéril substituiu a gestão e o planejamento.

editoriais@grupofolha.com.br

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