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Luís Fernando Guedes Pinto

O futuro da agricultura e da comida

'Quase fim' da fome trouxe efeitos inconvenientes

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A conexão entre agricultura, ambiente, alimentação e saúde nunca esteve tão em evidência, mas nem tudo é consenso. É certo que o mundo nunca produziu tanto alimento. A revolução verde nos levou da escassez para o excedente. E hoje há fome por problemas políticos, guerras e desigualdades, mas não pela falta de oferta.

O “quase fim” da fome, porém, trouxe efeitos colaterais inconvenientes. O casamento da revolução verde com a indústria de alimentos tem causado intensos impactos ambientais e sociais e nos levou da fome para as doenças crônicas. Um ponto de convergência é que esses problemas estão interligados no chamado sistema agroalimentar, onde o campo e o prato se conectam. As mudanças climáticas são um de seus elos.

O engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes Pinto, do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) - Reinaldo Canato - 26.ago.19/Folhapress

Para produzir mais, há os que defendem que devemos desmatar, como um mal inevitável. Muitos discordam e apontam que a intensificação da produção, a mudança das dietas e a redução do desperdício seriam suficientes para alimentar a todos. Logo, decidir ocupar mais terras seria uma opção para o crescimento econômico, e não necessidade para a superação da fome ou única rota para o desenvolvimento.

O futuro da agricultura e da comida tem cenários diversos. Começa com a revolução verde aprimorada pela agricultura de precisão, o que minimizaria seu impacto ambiental. Passa por uma aproximação da agricultura da natureza, uma produção ecológica e uma alimentação mais diversificada. Transita pela produção nas cidades e até em edifícios e termina com as fábricas de alimentos artificiais, com a total desconexão da natureza e das fazendas.

Há um capítulo à parte que trata da produção de animais e do seu bem-estar. As novas gerações deixam claro que não estão dispostas a comer animais que ficam engaiolados e entupidos de rações e produtos veterinários para serem mortos e, assim, alimentar-nos.

E o que vamos comer no futuro? Na contramão das projeções dos mercados, a grande maioria dos estudos aponta que a redução do consumo da proteína animal é uma solução chave para questões ambientais, como desmatamento, mudanças climáticas e saúde pública. A tendência é o aumento significativo do consumo de proteínas vegetais. Uma mudança cultural que ocorre numa virada de gerações aponta isso claramente, com o crescimento do vegetarianismo e do veganismo.

Mesmo assim, a carne ainda tem o seu lugar no futuro. As dúvidas ficam para perguntas como: quem vai comer carne, quanto e que carne será esta: animal, vegetal ou artificial?

A busca por alimentos mais saudáveis e livres de agrotóxicos é outra tendência evidente. Se grande parte da questão da saúde pública está em enfrentar o processamento e a adição de aditivos, sais, açúcares e gorduras da indústria de alimentos na comida, cabe ao campo resolver a questão dos agrotóxicos. 
Para essas questões, a educação e a rotulagem dos alimentos têm papel central. E para as cidades fica a urgência de enfrentar os desertos alimentares, regiões onde não há alimentos frescos.

Se entendemos bem o problema de um sistema agroalimentar insustentável e doente, temos propostas de soluções muito diferentes pela frente. Provavelmente no futuro não tão distante teremos um cardápio com um pouco de tudo o que citei. Pois tudo isso está acontecendo, com pesquisadores, investidores e grupos de interesse encabeçando cada uma dessas tendências. Porém, mesmo na diversidade, que comida e saúde caberá a cada grupo social?

E como fica a dimensão espiritual ou religiosa? O alimento deixará de ser uma conexão do sagrado com a vida? Como seria uma missa com o pão sintético? A comida vai estreitar ou afastar a humanidade das emoções? Pode nos ajudar a sermos mais solidários e sustentáveis?

Será fundamental o papel do Estado em regular as transformações em curso. Deixar ao sabor do mercado é um perigo imenso. As políticas do sistema agroalimentar definirão a sustentabilidade do planeta e a saúde dos humanos. 

Para prevalecer o interesse público será muito importante participação da sociedade civil, transparência, informações confiáveis, ética e líderes que se comprometam com o bem comum.

Luis Fernando Guedes Pinto

Diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais

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