Ao desistir de defender o indefensável, o governador João Doria (PSDB) se disse chocado com as evidências de brutalidade policial na vil operação em que nove jovens morreram pisoteados na favela de Paraisópolis, na capital paulista, e prometeu rever protocolos das forças de segurança. É um começo, espera-se.
Falhas estruturais nas instituições de fiscalização são evidentes, e obviamente não apenas em São Paulo. Às corregedorias internas falta independência, estrutura e transparência mínimas. Aos Ministérios Públicos falta cumprir com seu papel constitucional de controle externo da atividade policial, regulamentado desde 2007.
Definir como kafkiano o cotidiano investigativo no país não basta para descrever sua desumanidade. Familiares de vítimas de violência do Estado amargam anos de espera por qualquer desfecho de seus casos, quando chega a haver um.
Não é republicano que os devidos procedimentos só sejam tomados em casos de grande repercussão. Normas da Secretaria da Segurança Pública paulista determinam, por exemplo, que o Ministério Público seja imediatamente informado de ocorrências de morte por intervenção policial.
Não obstante, o Brasil ostenta taxas pífias de elucidação de crimes cometidos por agentes oficiais.
São Paulo e outros estados têm criado grupos de atuação especial para o controle das polícias. Designados pela cúpula do Ministério Público, tais grupos, por mais relevantes que possam ser, não possuem a mesma independência de promotorias especializadas.
Imbricações políticas entre Ministério Público e governos estaduais —como a extensa presença de promotores e procuradores em cargos do Executivo e a manutenção de elevados penduricalhos na remuneração desses profissionais— inibem ainda mais a atividade de monitoramento.
Em São Paulo e no Rio registram-se neste ano índices de aumento da letalidade policial —e é inevitável associá-los ao discurso truculento de governantes, a começar pelo Palácio do Planalto e passando por Bandeirantes e Guanabara.
Experiências internacionais apontam caminhos: transparência e independência em investigações, inclusive em alguns casos extremos de violência policial, com a criação de comissões de especialistas para supervisionar as apurações. Doria acertará se de fato seguir esses exemplos.
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