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Roy Martelanc

A adoção de limite de juros para o cheque especial é uma decisão acertada? NÃO

Proteger endividado é necessário; intervir em preços é perigoso

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Taxas de juros altas realmente sacrificam os viciados em crédito. O superendividado crônico sofre de uma dolorosa mescla de descaso e compulsão, uma doença com destrutivos efeitos físicos, psicológicos e sociais. 

Para um endividado que deixa a dívida do cheque especial acumular, uma taxa de 8% ao mês vira 160% ao ano, já considerado o IOF. Antes da resolução, a taxa média era algo como 13% ao mês, ou quase 350% ao ano. A taxa melhorou, mas sem ter-se tornado baixa.

Roy Martelanc - professor da FEA/USP e coordenador de projetos de finanças, banking e real estate da FIA.
O professor Roy Martelanc, coordenador de projetos de finanças, banking e real estate da FIA (Fundação Instituto de Administração) - Divulgação

O cálculo dessa exorbitante taxa anual realmente impressiona, mas é pouco realista na maior parte dos casos. Pessoas com boa disciplina financeira mantém um limite de cheque especial apenas por precaução e o usam esporadicamente e só quando algo dá errado. Mesmo assim, quem fica negativo (dia sim, dia não) a 8% ao mês, pagando juros em metade dos dias, tem um custo efetivo anual dos mesmos 160%, devido ao efeito do IOF. Nesse caso, de cada R$ 10 pagos, R$ 6 vão para o banco e R$ 4 para o governo. Os juros do cheque especial são caros, mas o imposto também é. O governo posa de bom moço e limita os juros com uma mão, mas aproveita para participar da festa com a outra.

Nem o viciado em dívida nem o devedor esporádico são sensíveis ao efeito combinado da taxa de juros e do IOF. Um por que negligencia as consequências do seu ato, o outro porque acha que é pouco dinheiro e que nunca mais cometerá o mesmo erro. Os dois estão envergonhados e preferem esquecer o assunto.

Essa baixa sensibilidade do volume emprestado à taxa é um dos motivos pelos quais um banco tem pouco incentivo de reduzir a taxa de juros do cheque especial. Juros altos demais espantam o cliente normal. Permanece, principalmente, o insensível ao custo do dinheiro, que é o que dá trabalho e tem alta inadimplência. O banco não tem como deixar de cobrar juros altos, preso que está ao mesmo ciclo vicioso do endividado contumaz.

O governo resolveu proteger o consumidor de suas próprias fraquezas. Se certas pessoas são incapazes de se defender do seu próprio comportamento irracional, é bem razoável que alguém as proteja. É o que acontece com a limitação da velocidade, a obrigatoriedade do cinto de segurança, da cadeirinha e do capacete. Ou nas restrições ao álcool, ao fumo e a outras drogas. Como o cheque especial é um produto inelástico e viciante, faz sentido o governo entrar limitando a taxa de juros, com a finalidade de proteger as pessoas de si mesmas.

O problema está no precedente. Político quando acerta uma, se empolga e costuma querer mais e mais. Já sabemos que o controle de preços ou juros como forma de regular a economia não funciona e já criou muitos problemas. Nas décadas de 1970 e 1980 a inflação disparou, apesar do controle de preços. No Plano Cruzado só o que se conseguiu foi a falta de produtos nas prateleiras. O melhor exemplo está na Argentina, que de tempos em tempos tenta intervir nos preços do mercado e paga há décadas com a falta de investimentos e uma economia declinante. 

O setor produtivo não confia em poderosos governantes de plantão que tenham o poder de inviabilizar os negócios. As empresas param de investir e produzir, o governo fica ansioso por fazer algo e acaba intervindo na economia, os riscos e os juros sobem e entramos em mais um ciclo vicioso. E tudo porque a intervenção nos preços e juros do mercado parecia ser uma boa ideia em algum cenário bem específico.

Roy Martelanc

Professor da FEA-USP e coordenador de projetos de finanças, banking e real estate da FIA (Fundação Instituto de Administração)

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