É grande, no pensamento latino-americano, o peso da tradição essencialista. É com base nela que se declara a inautenticidade do passado, já que o conhecimento no momento anterior estaria distante da verdade. Mas esta, contraditoriamente, é uma concepção passadista, porque atua em nome de um outro passado mais antigo e verdadeiro, que abrigaria a essência real das coisas, precedente ao que se nega.
Trata-se de concepção herdeira do essencialismo clássico grego, para o qual os entes encerram a verdade. Essa corrente deu sustentação ao pensamento religioso, escolástico, metafísico e tomista, que predominou na Europa durante a Idade Média, mas depois se concentrou na Península Ibérica e migrou para a América Central e do Sul, presidindo a formação intelectual e social das colônias. Outra corrente, fortalecida a partir do século 18, negou a metafísica e consolidou o império da razão e do experimentalismo, dando base ao iluminismo, ao racionalismo e ao cientificismo —e à história moderna.
Para ela, que vingou nos países saxões e germânicos e depois migrou para a América do Norte, conformando parte de sua história, não existe a verdade essencial, só o mundo concreto: a verdade é construída pelo conhecimento. Trata-se, assim, de uma proposição com claro sentido de futuro.
O nome fundamental dessa vertente é Francis Bacon (1561-1626), que demonstrou que o essencialismo e a escolástica não eram válidos como forma de conhecimento, uma vez que acreditavam que a mente humana e a fé (a verdade divina) eram capazes de explicar todos os fenômenos da natureza.
Bacon formulou o denominado raciocínio indutivo, método de pesquisa e análise que permitiu que vários trabalhos científicos se desenvolvessem a partir da real observação, dos testes e das comprovações ou refutações de hipóteses acerca dos fenômenos da natureza, independentemente de afirmações religiosas.Um exemplo é Galileu Galilei (1564-1642), que, por provar que a Terra gira em torno do Sol, foi perseguido pela Igreja Católica.
Mas não só nas ciências naturais e exatas. Também fenômenos relativos ao comportamento humano passaram a ser pesquisados e analisados de forma mais rigorosa, possibilitando o surgimento, por exemplo, da sociologia e da antropologia.
Na América do Sul, a partir do século 20, a influência do racionalismo e do iluminismo cresceu, ajudando na modernização das nossas sociedades. Porém —com destaque para algumas regiões—, volta-se recorrentemente ao resgate da tradição essencialista: negam-se os avanços ocorridos na história pregressa (no conhecimento, na sociedade, na cultura) por supostamente estarem distantes do que se considera a verdade entendida como absoluta, associada à fé e a um momento obscuro ainda mais antigo.
O combate aos processos e conquistas científicas que furam o manto escolástico conforma forças políticas que ciclicamente retomam as rédeas ideológicas de partes do continente e renegam trajetos constitutivos da própria civilização.
Trata-se de uma cruzada de combate contra Bacon, tentando travar o futuro que o conhecimento humano constrói cumulativamente, como se se buscasse frear a rotação e a translação da Terra.
Ela, contudo, se move.
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