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Fernando Schmidt

Contra a violência, mais democracia

Combateremos vandalismo no Chile pelas vias legais

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Fernando Schmidt

No decorrer das últimas décadas meu país gozou de estabilidade política e manteve o crescimento econômico, além de inegáveis avanços sociais. Nos últimos 30 anos, surgiu no Chile uma classe média extensa, e o índice Gini mostrava que a brecha entre os que possuíam mais e os que menos possuíam estava diminuindo. Orgulhávamo-nos dessas conquistas. O metrô de Santiago era a expressão visível desse espírito.

Repentinamente, em meados de outubro, tudo mudou. Um tremendo estalo social, acompanhado de uma inusitada violência, nos fez perceber que o crescimento econômico e o desenvolvimento não garantem por si sós a paz social. Percebemos que era necessário introduzir elementos próprios de um Estado de bem-estar social.

O vice-presidente Hamilton Mourão durante audiência com Fernando Schmidt (à dir.), embaixador do Chile no Brasil - Romério Cunha - 30.jan.19/VPR

Assim disse o presidente Sebastián Piñera ao propor, no dia 17 de novembro, um acordo pela paz, um acordo pela justiça social e um acordo por uma nova Constituição: “Durante estas semanas passamos a conhecer as legítimas manifestações de milhões e milhões de chilenos e chilenas que pedem e desejam um Chile mais justo e mais equitativo, um Chile com maior igualdade de oportunidades e com menos abusos, um Chile com mais dignidade para todos e menos privilégios para alguns. A desigualdade não é apenas um assunto material, também tem a ver com a forma que o Estado se relaciona com os cidadãos, com a forma que as empresas se relacionam com seus funcionários, com seus provedores e com seus consumidores e com a forma com a qual todos os cidadãos nos relacionamos entre nós mesmos”.

Lograr esses acordos é um imperativo de nossa sociedade, que quer viver majoritariamente na democracia. Sem eles, é alta a possibilidade de que a violência descontrolada, às vezes encorajada por posições ambivalentes de alguns partidos de esquerda, ameace nossa convivência social, nossa democracia e nosso Estado de Direito. Igualmente, sem eles, é muito grande a possibilidade de que de outro extremo apareçam grupos que encorajem a ruptura desse valor essencial, que tanto nos custou obter e que acreditávamos estar garantido.

O Chile deseja retomar o rumo do desenvolvimento, sem exclusões, e na democracia. Foram dados passos substantivos nessa direção, nas últimas semanas, com o apoio de diferentes grupos políticos. Desse modo, aprovou-se por unanimidade um aumento das aposentadorias em 50%, que já entrará em vigor para os maiores de 80 anos; um aumento orçamentário para apoiar os 7.000 micro e pequenos empresários que perderam tudo durante os saques; o projeto de lei que reforma o sistema de aposentadorias já foi aprovado em três de suas cinco etapas legislativas; congelou-se o aumento das tarifas no transporte público; destravou-se a discussão para a reforma tributária; e estamos colocando mais de US$ 5 bilhões adicionais para reconstruir o país, além de um seguro de saúde específico para a classe média. Assim, o Chile vai avançando em direção à nova ordem social, que deve culminar no processo constituinte que se iniciará a partir de abril deste ano.

Porém, nenhum crescimento será suficiente se não somos capazes de controlar a violência, à qual se opõem os próprios partidos, cada vez com maior veemência, que um dia toleraram-na. Ela tem sua origem em causas sociológicas ou no anarquismo. Apesar de menos intensa do que semanas atrás, já é tempo de por um fim, urgentemente, através do fortalecimento da lei —ou seja, combatendo o vandalismo com mais acordos políticos, mais institucionalidade democrática, mais Estado de Direito, mais compromisso com o respeito aos direitos humanos. 

Para isso, queremos que as mesmas capacidades políticas que conseguiram aprovar em tempo recorde vários corpos legais para melhorar as injustiças presentes em nossa sociedade também se coloquem a serviço da manutenção da ordem pública, aprovando os projetos de lei que preveem sanções aos encapuzados e aos saques e que permitam às Forças Armadas resguardarem a infraestrutura crítica do país, entre outras propostas.

Se assim não o fizermos, o trasbordar encorajará de forma perigosa opções de força, e isso é algo que ninguém deseja no país e menos ainda em nossa região. Não devemos permitir que um novo ciclo de violência açoite o Chile.

Fernando Schmidt

Embaixador do Chile no Brasil

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