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Marcia Camargos e Aldo Cordeiro Sauda

Mão de Trump na repressão aos levantes populares

Presidente procura eximir-se de responsabilidades

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Com métodos inspirados na Primavera Árabe, uma onda de manifestações no Iraque e no Irã injetava energia aos novos levantes sociais da região. Após dois meses de confronto, a oposição iraniana começava a colher resultados, forçando o governo a abrandar a repressão policial. Enquanto isso, no Iraque, os movimentos constituídos, sobretudo, por jovens desempregados, logrou a renúncia do primeiro-ministro pró-EUA e pró-Irã, Adel Abdul Mahdi. Agora, as mobilizações em ambos os países correm o risco de colapsar e de se fragmentarem face à eliminação do líder iraniano e das reiteradas ameaças bélicas do presidente Donald Trump.

Vale lembrar que meses antes da morte do general Qassam Suleimani, numa reação ao anúncio da alta de 300% no preço da gasolina, cerca de cem cidades iranianas liberaram sua revolta contra os bancos. Mais de 700 estabelecimentos foram incendiados, assim como 150 escritórios governamentais. De acordo com o Ministério do Interior, só no dia 27 de novembro, entre 130 mil e 200 mil pessoas saíram às ruas em atos antirregime. O saldo final, denunciam os ativistas, é de 7.000 presos e 928 mortos pelos agentes de segurança. 

O presidente dos EUA, Donald Trump, discursa em Toledo, Ohio - Saul Loeb -13.jan.20/AFP

Diferentemente daqueles organizados na capital iraniana contra a fraude nas eleições presidenciais de 2009, os protestos atuais contaram com a participação da classe trabalhadora. As organizações sindicais voltaram à ativa, unindo os operários dos polos industriais como Ahvaz, em greve contra demissões e fechamento de fábricas às reivindicações pró-democracia. Mas as bravatas de Trump, aliadas ao clima de unidade nacional despertado pelos recentes assassinatos, mudam tudo. Ao mobilizar uma multidão no funeral de Soleimani, os aiatolás reanimam o regime, e revigoram a narrativa segundo a qual qualquer tipo de oposição é sinônimo de manipulação estrangeira ocidental espúria. 

Já na praça Tahrir de Bagdá, as contestações de outubro de 2019, cuja repressão deixou 300 mortos, exibiam o lema “nem Irã, nem EUA, o Iraque vem primeiro”. A estratégia básica da rebelião, com forte presença no sul do país, vinha sendo a de erguer bloqueios em torno das instalações petroleiras. Ao fecharem o acesso ao porto de Umm Qasr, principal porta de escoamento do produto, as demonstrações custaram à economia cerca de US$ 6 bilhões, obrigando o governo a recuar. 

Mas a agressão americana ao Irã, que ocorreu em solo iraquiano, cindiu a revolta ao meio. Num giro de 180 graus, o poderoso clérigo xiita Moqtada al-Sadr, até então o maior crítico dos desmandos das milícias iranianas, após a investida ofereceu-se para organizar, junto com Teerã, tropas contra o inimigo “ianque”. Na contramão dessa tendência, os curdos do norte deixaram claro seu alinhamento com Washington em qualquer conflito regional. 

Hoje, no rastro do descontentamento interno com a derrubada acidental do avião da Ucrânia sobre o espaço aéreo iraniano, Trump procura eximir-se de suas responsabilidades, apoiando os revoltosos, que pedem a renúncia do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei

O Pentágono, que com seus ataques e sanções, contribuiu, ao longo da história, para sabotar os movimentos populares, ajudando a perpetuar o fundamentalismo religioso no Oriente Médio, aproveita a tragédia para passar uma imagem de bom-mocismo.

Marcia Camargos

Pós-doutora em história pela USP, escreveu, entre outros, "A Travessia do albatroz" (Geração Editorial) e "O Irã sob o chador" (ed. Globo)

Aldo Cordeiro Sauda

Mestre em ciência política pela Unicamp, integra o grupo de pesquisa Movimentos Sociais, Sindicalismo e Política do Centro de Estudos Marxistas do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas)

TENDÊNCIAS / DEBATES

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