No dia 21 de dezembro, o colunista Marcos Mendes publicou nesta Folha o artigo “Descentralização na educação”, no qual defende repassar o salário-educação diretamente aos estados e municípios, em vez de ir para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do Ministério da Educação (MEC), tal como proposto na PEC do novo “pacto federativo”.
Reconhecemos a necessidade de uma revisão do pacto federativo para reduzir a concentração de recursos na União, sendo que uma parte dos recursos do FNDE, principalmente os destinados às obras, poderia ser transferida diretamente a estados e municípios.
Isso não significa que programas nacionais geridos pelo FNDE devam acabar e o órgão deva ser extinto, como se depreende do artigo de Mendes. O FNDE é formado por servidores de grande competência técnica, comprometidos com a educação do país. Extingui-lo é desperdiçar o dinheiro público investido por décadas na formação de capacidade institucional e geração de conhecimento sobre implementação de políticas públicas na educação.
O autor cita programas da FNDE que poderiam ser extintos: merenda escolar, transporte escolar e livro didático. São programas que surgiram porque crianças não iam à escola por falta de transporte e comida e, quando iam, não tinham material didático de qualidade disponível. Os projetos praticamente resolveram o problema. Podem ser aprimorados, mas acabar com eles coloca em risco milhões de estudantes.
O programa de merenda escolar contribui para a frequência escolar e para a redução da desnutrição infantil. São mais de 40 milhões de alunos atendidos diariamente. Para chegar a esse resultado, foram décadas de construção e compartilhamento de conhecimentos, criação de capacidade institucional, definições de parâmetros de qualidade e promoção de desenvolvimento local, como o estímulo a compras da agricultura familiar.
O programa do livro didático existe há décadas. É um processo complexo, que envolve avaliação e seleção de livros, escolha pelas redes, compra e distribuição. A sua execução centralizada permite enormes ganhos de escala; o processo de seleção e avaliação garante um padrão de qualidade; e os entes têm autonomia para decidir qual livro adotar.
Nada disso se transfere com a mesma rapidez que o dinheiro. A sua extinção provocaria aumento nos custos e mais problemas de distribuição e qualidade, além de maior risco de corrupção.
Pacto federativo não se resume à alocação de recursos. Envolve também o compartilhamento de responsabilidades e cooperação entre os entes federados. Na educação, o pacto federativo passa pela criação de um Sistema Nacional de Educação (SNE) que estabeleça atribuições de cada ente federado, regras para cooperação, padrões de qualidade, parâmetros de avaliação e formas de financiamento.
É fundamental analisar as políticas educacionais a partir de um enfoque sistêmico, sob o risco de cair em discursos simplistas, cuja consequência são retrocessos em políticas públicas construídas por décadas.
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