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Malu Ribeiro

SOS Brumadinho e rio Paraopeba

Um ano depois, as cicatrizes permanecem abertas

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Após um ano de uma das maiores tragédias socioambientais do Brasil, as cicatrizes ainda estão abertas: no rio, na geografia, nas pessoas e no meio ambiente.

Apontado finalmente como crime ambiental e homicídio doloso, em denúncia oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais, no último dia 20, o enorme impacto mantém as águas do rio Paraopeba impróprias e indisponíveis para usos em uma extensão de 356 km, de Brumadinho até Felixlândia.

Vista aérea da lama no local onde uma ponte férrea foi destruída pela tragédia, em Brumadinho (MG) - Eduardo Anizelli/Folhapress

Ouvindo as vozes do rio, ou seja, os anseios das comunidades ribeirinhas, de proprietários de terras, pescadores e familiares das vítimas que tiveram o futuro interrompido ou alterado, fica evidente a urgente necessidade de o Brasil implementar politicas públicas e instrumentos eficazes de licenciamento ambiental, que sejam capazes de promover ações preventivas.

Os danos ambientais que resultaram em tragédias descomunais aos ecossistemas e às pessoas que vivem nas bacias dos rios Paraopeba e Doce deixaram uma enorme ferida aberta e também muitas lições. A primeira delas é a de que é infinitamente mais difícil recuperar e muito mais caro remediar do que prevenir, sob todos os aspectos, materiais e imateriais. A segunda lição é ainda mais dura: não será possível restabelecer as vidas ceifadas e devolver aos rios a sua geografia e os cursos originais.

Com a mudança drástica na qualidade da água, os ecossistemas, as atividades econômicas, a cultura e a vida das comunidades dessas regiões hidrográficas são alteradas. O rio Paraopeba está cercado com arame farpado, afastado de sua gente, e deverá permanecer assim ainda por um longo tempo. Os dados de qualidade da água apurados apontam que o rio não será capaz de se recuperar por si e que as ações realizadas até agora ainda são de remediação.

Fatores climáticos, a sazonalidade e a permanência dos rejeitos de minérios na calha do rio, em remansos, barrancas e reservatórios provocam instabilidade nos indicadores de qualidade da água, que devem perdurar por muitas décadas.

Essa condição anormal do ambiente exige monitoramento permanente e por longo prazo. A recuperação da qualidade da água na bacia do Paraopeba e a segurança hídrica da região dependem de medidas efetivas de recuperação dos danos ambientais, em todo o trecho afetado, especialmente nas regiões do Baixo Paraopeba e Alto São Francisco.

Até o presente momento, as ações e obras de remediação estão concentradas de forma expressiva na região de Brumadinho. Mas, na medida em que nos afastamos da área do rompimento da barragem Córrego do Feijão, as ações e a atenção às comunidades afetadas vão diminuindo.

É preciso avançar na restauração ambiental para recuperação dos ecossistemas e olhar para as questões culturais, sociais e econômicas. Os valores imateriais associados à vida alterada dessas comunidades na bacia hidrográfica precisam ser devidamente mensurados e ressarcidos. A relação das pessoas com o seu lugar de origem, e especialmente com o rio, não estão sendo devidamente consideradas.

A falta de atenção para esse aspecto de grande relevância para os afetados, direta e indiretamente, agrava a dor e a sensação de abandono e injustiça. A informação precisa ser ampliada e melhorada, com ferramentas e linguagem que façam sentido para as comunidades atingidas, como, por exemplo, com a implementação de bandeiras que sinalizam a condição da água, a balneabilidade ou a restrição de usos para pesca, dessedentação de animais e atividades de recreação no rio.

Vale destacar que foi possível verificar, por imagens de satélite, uma nova supressão de vegetação nativa de mata atlântica, de 1,8 hectare, para abertura de uma estrada, mas a razão e os impactos de tal mudança da paisagem ainda precisam ser averiguados em campo.

Para recuperação dos danos e para que crimes dessa natureza não se repitam, é fundamental que a legislação brasileira, sobretudo o Licenciamento Ambiental e o Código de Mineração, não seja flexibilizada para atender a pressões setoriais. E é primordial que os responsáveis sejam devidamente julgados e condenados.

Malu Ribeiro

Gerente da causa Água Limpa da Fundação SOS Mata Atlântica e coordenadora da Expedição Técnica dos Rios Paraopeba e Alto São Francisco

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