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Miguel Bahiense

Verão sem canudo: mas e o resto?

Vilanização do produto não promove consumo responsável e educação ambiental

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Conforme o editorial desta Folha “Verão sem canudo”, publicado na quarta-feira (8), o verão de 2019-2020 deve ser o primeiro em que muitos brasileiros se depararão com a proibição dos canudinhos plásticos. Porém, este está longe de ser um verão sem canudo, como sugere o texto, por alguns motivos.

O primeiro deles é que a vilanização de um determinado produto não promove a mudança no hábito das pessoas no que diz respeito ao consumo responsável e ao descarte correto. O que faz isso é a educação ambiental.

Miguel Bahiense, presidente da Plastivida – Instituto Socioambiental dos Plásticos
O presidente da Plastivida, Miguel Bahiense - Divulgação

No dia 1º de janeiro, após comemorações do Réveillon, as imagens do lixo de todo tipo jogado nas praias e nas ruas —mesmo nas cidades que contam com a proibição de canudos plásticos— deixaram claro que leis de banimento não despertam a consciência quanto à preservação do ambiente.

No caso específico dos canudos, a proibição somente priva as pessoas dos benefícios do produto. Se os canudinhos foram criados para oferecer higiene, conforto e bem-estar, eles continuarão a existir, mesmo não sendo de plástico. E se antes havia um único tipo, que poderia ser usado e reutilizado para depois ser encaminhado para a reciclagem, hoje surgem canudinhos de materiais diferentes, muitas vezes mais danosos ao meio ambiente e nem sempre recicláveis, sem que haja qualquer mudança nos hábitos de consumo e descarte.

Proibir canudo plástico ou qualquer outro produto tido como de uso único não educa a população a consumir menos e com responsabilidade. É a nossa consciência ambiental que permite definir o que é um produto de uso único, pois podemos, por exemplo, usar o mesmo canudo para várias bebidas na mesma noite ou o copo plástico várias vezes durante o dia. De que adianta um canudo de metal ou um copo retornável se precisam ser lavados após cada uso? Nada, pois o consumo de água será excessivo.

Proibir também não sensibiliza os estabelecimentos comerciais (bares e restaurantes) a separarem os resíduos para a reciclagem. Não incentiva o poder público a ampliar a capilaridade dos serviços de coleta seletiva para que os recicláveis cheguem às recicladoras, setor que gera emprego, renda e tributos e que hoje, inclusive, atua com ociosidade por falta de material a ser reciclado.

Ou seja, todos perdem.

As questões sobre a preservação ambiental precisam ser encaradas com maturidade e responsabilidade por todos os atores envolvidos —cidadãos, indústria, varejo, poder público— para que se fuja dos modismos e se busque transformações perenes no comportamento social. E isso se dá por meio da informação e da educação ambiental.

Munidas da informação correta sobre os produtos, do impacto que geram no ambiente desde sua fabricação até seu descarte, de como podem ser usados, reutilizados e, depois disso, se podem ou não ser reciclados, as pessoas conseguem mudar a sua relação com esses produtos, escolher melhor o que consumir, não desperdiçar, reduzir seus resíduos e dar a destinação correta a eles.

Apoiadas por uma gestão adequada do lixo urbano, necessária para que o trabalho de coleta e separação dos materiais não seja em vão, essas pessoas passam a ser agentes da preservação ambiental sem ter que se privar dos benefícios dos produtos, sejam eles de plástico ou não.

A introdução dos princípios da economia circular, que preconizam a reinserção dos resíduos pós-consumo na economia por meio do reaproveitamento e da reciclagem, é um processo no desenvolvimento social.

Enquanto as atenções se mantiverem voltadas à proibição de produtos, não avançaremos em nossos propósitos sustentáveis.

Miguel Bahiense

Engenheiro químico (UFRJ), pós-graduado em comunicação empresarial (Faap-SP) e presidente da Plastivida (Instituto Socioambiental dos Plásticos)

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