Sala de aula, programa pedagógico, material, professores, coordenadores, diretores. É mais do que isso que crianças que moram em favelas precisam para se escolarizar. O Brasil tem um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS. Aumentou o número de escolas, está investindo na formação de professores e implementando o ensino de tempo integral. Não é suficiente. Crianças nas favelas são capazes de aprender o conteúdo de qualquer boa escola. Por que, então, os níveis de aprendizagem escolar em áreas próximas às comunidades são baixos?
As crianças dormem mal porque os barracos são apertados e úmidos. O ambiente, barulhento. Muitas vezes, ao saírem para ir à escola, precisam desviar do lixo e de excrementos. É comum presenciarem violência, dentro e fora de casa. Em suas residências há poucos livros, e muitas vezes seus pais são analfabetos. Sofrem preconceito por morarem em favelas. Alguns familiares estão na prisão ou na Fundação Casa. São crianças que podem reagir ao seu meio social.
Sabemos que boa parte dos problemas de aprendizagem podem ser minimizados com boa moradia. Ao longo dos últimos 15 anos, lutamos para transformar a situação urbana dessas famílias —sem sucesso.
O temporal do último dia 10 de fevereiro é um exemplo disso. Apesar das favelas do Nove e da Linha, na zona oeste de São Paulo, concentrarem cerca de 750 famílias, o serviço público demorou a aparecer por lá. O Ateliescola Acaia, do Instituto Acaia, está, desde o início, entrando ali com água pelo peito para saber como estão as pessoas. Temos dois barracos-escola, um em cada comunidade, com os quais podemos estabelecer contato com as famílias.
Nossos educadores ajudaram os moradores na limpeza e distribuíram comida, roupas, colchões e cobertores. O Ateliescola Acaia se transformou em ponto de ajuda comunitária. Recebemos apoio de comerciantes do entorno, professores, escolas, outras ONGs, amigos e comunidades menos atingidas. Retomamos as aulas após dois dias, com banho e escuta atenta. Sabemos que receberíamos pedidos de ajuda das famílias, pois algumas perderam tudo, e as crianças chegariam atrapalhadas.
O Ateliescola Acaia aprendeu, ao longo de seus 23 anos de existência (há 19 atuando no contraturno escolar e desde 2017 como escola), que o primeiro passo para se realizar um bom trabalho de educação nas favelas é conhecer de perto seu público e construir uma relação de confiança mútua, atuando para criar condições para que a criança possa aprender. Este é o objetivo: as crianças aprenderem!
Para isso, a escola funciona em período integral, das 7h às 17h, com atividades de ateliês diversos, música e educação física. O currículo busca integrar, equilibrar e sequenciar as atividades para que as crianças não sejam exigidas em excesso. Desenvolvemos um programa de saúde para detectar anemia, problemas oftalmológicos, odontológicos e dermatológicos e contamos com uma equipe de psicólogos e psicanalistas. Temos também um apoio jurídico que atua junto aos alunos e suas famílias.
A complexidade da favela exige uma escola à altura. Uma escola para quem mora na favela tem que ser, antes de tudo, um centro social.
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