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Elisa Bracher

10 de fevereiro

Temporal em SP expõe vida de crianças em favelas

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Sala de aula, programa pedagógico, material, professores, coordenadores, diretores. É mais do que isso que crianças que moram em favelas precisam para se escolarizar. O Brasil tem um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo, o SUS. Aumentou o número de escolas, está investindo na formação de professores e implementando o ensino de tempo integral. Não é suficiente. Crianças nas favelas são capazes de aprender o conteúdo de qualquer boa escola. Por que, então, os níveis de aprendizagem escolar em áreas próximas às comunidades são baixos? 

As crianças dormem mal porque os barracos são apertados e úmidos. O ambiente, barulhento. Muitas vezes, ao saírem para ir à escola, precisam desviar do lixo e de excrementos. É comum presenciarem violência, dentro e fora de casa. Em suas residências há poucos livros, e muitas vezes seus pais são analfabetos. Sofrem preconceito por morarem em favelas. Alguns familiares estão na prisão ou na Fundação Casa. São crianças que podem reagir ao seu meio social. 

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A artista plástica Elisa Bracher, fundadora e diretora do Instituto Acaia - Eduardo Anizelli - 21.nov.17/Folhapress

Sabemos que boa parte dos problemas de aprendizagem podem ser minimizados com boa moradia. Ao longo dos últimos 15 anos, lutamos para transformar a situação urbana dessas famílias —sem sucesso.

O temporal do último dia 10 de fevereiro é um exemplo disso. Apesar das favelas do Nove e da Linha, na zona oeste de São Paulo, concentrarem cerca de 750 famílias, o serviço público demorou a aparecer por lá. O Ateliescola Acaia, do Instituto Acaia, está, desde o início, entrando ali com água pelo peito para saber como estão as pessoas. Temos dois barracos-escola, um em cada comunidade, com os quais podemos estabelecer contato com as famílias. 

Nossos educadores ajudaram os moradores na limpeza e distribuíram comida, roupas, colchões e cobertores. O Ateliescola Acaia se transformou em ponto de ajuda comunitária. Recebemos apoio de comerciantes do entorno, professores, escolas, outras ONGs, amigos e comunidades menos atingidas. Retomamos as aulas após dois dias, com banho e escuta atenta. Sabemos que receberíamos pedidos de ajuda das famílias, pois algumas perderam tudo, e as crianças chegariam atrapalhadas. 

O Ateliescola Acaia aprendeu, ao longo de seus 23 anos de existência (há 19 atuando no contraturno escolar e desde 2017 como escola), que o primeiro passo para se realizar um bom trabalho de educação nas favelas é conhecer de perto seu público e construir uma relação de confiança mútua, atuando para criar condições para que a criança possa aprender. Este é o objetivo: as crianças aprenderem!

Para isso, a escola funciona em período integral, das 7h às 17h, com atividades de ateliês diversos, música e educação física. O currículo busca integrar, equilibrar e sequenciar as atividades para que as crianças não sejam exigidas em excesso. Desenvolvemos um programa de saúde para detectar anemia, problemas oftalmológicos, odontológicos e dermatológicos e contamos com uma equipe de psicólogos e psicanalistas. Temos também um apoio jurídico que atua junto aos alunos e suas famílias. 

A complexidade da favela exige uma escola à altura. Uma escola para quem mora na favela tem que ser, antes de tudo, um centro social.

Elisa Bracher

Artista plástica, é fundadora e diretora do Instituto Acaia, que atende em período integral crianças moradoras de favelas da zona oeste de São Paulo

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