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Juca Ferreira e Guilherme Varella

Direito à folia

Livre e democrático, Carnaval de SP é o maior do país

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Recém-chegados à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, em janeiro de 2013, recebemos uma comitiva de representantes de blocos carnavalescos: o “Manifesto Carnavalista”. Tinha como principal mote de reivindicação a “descriminalização” do Carnaval de rua paulistano. Reivindicavam o “direito à folia”. Custamos a acreditar que uma das festas mais fortes do país, marca identitária da cultura brasileira, era tratada com um misto de repressão e negligência pelo poder público municipal. 

Se não havia uma criminalização formal do Carnaval de rua em São Paulo, por meio de uma lei específica, havia, sim, um quadro de obstrução operacional dos blocos pela gestão municipal. A exigência de inúmeros documentos, alvarás e licenças tornavam impeditivos os desfiles. A repressão das forças de segurança terminava de limar a festa dos que resistiam.

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Bloco Bollywood, na rua Augusta, em São Paulo, durante o Carnaval de 2019 - Gabriel Cabral - 2.mar.19/Folhapress

Impulsionados pelos blocos e pela decisão do então prefeito Fernando Haddad (PT), o que fizemos, a partir de 2013, foi implementar uma política pública para o Carnaval de rua paulistano que tinha na dimensão cultural o vetor de orientação de todo o planejamento público. A premissa era o reconhecimento dos blocos e demais expressões carnavalescas como essenciais para a cultura paulistana e a consequente valorização destas manifestações. 

O imperativo da política era autorizar imediata e expressamente os festejos. Foi criada uma arquitetura jurídico-institucional complexa, com desenho especialmente pensado para o período de excepcionalidade do Carnaval. O arranjo estabeleceu instrumentos regulatórios; distribuição de competências entre as pastas; coordenação dos agentes; otimização dos serviços públicos; metodologia de organização territorial; e regras para a exploração comercial da festa. 

A política é reconhecida por três características marcantes: o reconhecimento dos blocos como reais protagonistas do processo; a construção colaborativa, dialógica e com intensa participação dos carnavalescos e da sociedade; e a estruturação de uma festa livre e democrática —sem abadás, cordas nem cerceamento do espaço público. 

A união da força dos blocos carnavalescos com a ação pública fez com que o Carnaval de rua de São Paulo crescesse vertiginosamente. Em 2013, eram 50 blocos e algumas centenas de foliões na cidade. Em 2020, são 865 blocos inscritos na prefeitura, e a expectativa é de 15 milhões de pessoas nas ruas participando da festa. A política pública contribuiu para o desrepresamento da potência dos blocos e gerou as condições urbanas para essa explosão do Carnaval de rua em São Paulo. 

Hoje, há desvirtuamentos e problemas a serem superados, como a reburocratização, a repressão policial, a abertura para uma mercantilização desmedida e as exigências desproporcionais aos blocos. Mas a tecnologia de gestão, testada, permanece. E a essência estrutural da política pública ainda vige e se mostra sólida, como uma política de Estado. 

São Paulo assimilou e assumiu seu éthos momesco. Para isso, sem dúvida, a política pública do Carnaval de rua deu contribuição fundamental. O avanço foi sensível em direção à conquista do direito à folia. As notícias do dia confirmam aquilo que prenunciávamos em 2013: não apenas existe Carnaval de rua em São Paulo, como ele é o maior do Brasil.

Juca Ferreira

Sociólogo e coordenador dos Seminários Cultura e Democracia, foi ministro da Cultura (2008-10 e 2015-16, governos Lula e Dilma) e secretário municipal de Cultura de São Paulo e Belo Horizonte

Guilherme Varella

Advogado, gestor cultural e pesquisador. Foi secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (2015-16) e assessor técnico e chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2013-15)

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