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Mauro Rebelo

O criacionismo não cria nada

E se alguém do movimento antivacina chegar ao Ministério da Saúde?

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O físico americano Neil de Grasse Tyson disse uma vez que “o bom da ciência é que ela continua sendo verdadeira, quer você acredite nela ou não”. E foram nas verdades científicas que, nos últimos 500 anos, a humanidade se apoiou para criar bens e serviços que melhoram a nossa qualidade de vida.

Neste nosso mundo, no qual a teoria da evolução de Darwin é aceita, selecionamos espécies animais e vegetais que melhoram a produção agropecuária, descobrimos medicamentos para combater doenças causadas por microrganismos e desenvolvemos novos materiais a partir de organismos vivos.

O presidente da Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Reinaldo Canato - 5.jun.19/Folhapress

Até mesmo programas de computador, quando colocados para competir, se comportam de acordo com o princípio da seleção natural. Sabemos disso porque podemos propor soluções para problemas com base na teoria da evolução e testar essas soluções. E cada vez que solucionamos um problema, como escolher (ou construir) a melhor variedade de milho para o plantio, reforçamos a teoria.

É difícil imaginar como seria um mundo baseado no design inteligente, porque ele não é utilizado para propor soluções, apenas para explicar um problema que não pode ser testado: a criação da vida. Os especialistas em design inteligente não criam nada além de artigos para jornais e revistas. O design inteligente não ajuda a aumentar a produção de alimentos, não ajuda a produzir novos medicamentos, não reduz a poluição dos rios e lagos. Procurei na lista das 500 maiores empresas da Forbes uma que fosse "criacionista". Não encontrei nenhuma. Também não encontrei nenhuma manchete dizendo que um diretor criacionista aumentou a produtividade industrial, ou criou um biochip.

O criacionismo é um pouco como a "razão áurea": um número que aparece tão frequentemente na natureza que ficamos tentados a acreditar que ele explica as formas da vida, mas que nunca ajudou a criar nenhum novo produto. Sem treinamento em estatística e conhecimento dos limites do nosso cérebro para compreender plenamente o significado de números muito grandes (os bilhões de anos do universo) ou muito pequenos (a probabilidade de ganhar na loteria), é difícil acreditar que a "razão áurea" não seja nada mais do que uma coincidência fortuita.

Mas como seria viver em um mundo no qual o presidente da Embraer nega a lei da gravidade? A aplicação de teorias anticientíficas não é inócua, e a história está cheia de exemplos de consequências devastadoras. A ascensão do agrônomo russo Trofim Lysenko, que negava a genética mendeliana por ser "reacionária" e acreditava que plantas de uma mesma "classe" não competiriam entre si, levou a agricultura russa a um colapso, e milhões morreram de fome.

Talvez um criacionista à frente da Capes seja tolerado porque os efeitos danosos para a Educação estão distantes no tempo e serão sentidos apenas nas próximas gerações. Mas e se um membro do movimento antivacina chegar ao Ministério da Saúde? Em poucos anos, como mostra o retorno do sarampo, o dano da política anticiência será sentido por todos nós. Principalmente pelas nossas crianças.

O criacionismo não cria nada, mas pode destruir muito.

Mauro Rebelo

Cientista e empreendedor

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