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Luiz Flávio Borges D’Urso

Pacote anticrime endureceu o Estatuto do Desarmamento

Penas mais pesadas provocam descompasso no sistema repressivo

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Contrariando as manifestações e iniciativas do governo federal —especialmente do próprio presidente Jair Bolsonaro para flexibilizar o controle de armas no Brasil, facilitando propriedade e porte—, o Congresso endureceu o Estatuto do Desarmamento ao aprovar o projeto anticrime, no finalzinho do ano passado, aumentando as penas para diversos crimes ali previstos.

O primeiro exemplo disso encontramos no artigo 16 do estatuto, que foi alterado com a inclusão do § 2º, destacando neste parágrafo as condutas do "caput" e do § 1º, que envolveram arma de fogo de uso proibido, aumentando a pena, nesta hipótese, para reclusão de quatro a 12 anos.

O advogado criminalista Luiz Flávio Borges D'Urso - Zanone Fraissat - 7.dez.18/Folhapress

Antes desta nova lei, as condutas do artigo 16 contemplavam armas de uso restrito e proibido indistintamente, com previsão, que fora revogada, de pena de três a seis anos de reclusão e multa.

Assim, quem agora possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder (ainda que gratuitamente), emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, estará sujeito a punição de três a seis anos. Todavia, nesses casos, a partir da nova lei, se a arma ou munição for de uso proibido, a punição aumentará para reclusão de quatro a 12 anos.

Outro exemplo encontra-se no artigo 17. Ele estabelece punição para quem pratica o comércio ilegal de armas de fogo, punição que, de quatro a oito anos de reclusão, foi agravada para o patamar de seis a 12 anos. Dessa forma, quem adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, estará sujeito à severa pena de seis a 12 anos.

Mais um exemplo desse agravamento de pena encontra-se no artigo 18. Ele pune o tráfico internacional de armas de fogo, consistindo na conduta de importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente. Pela nova lei, a pena de reclusão, que era de quatro a oito anos, passou para oito a 16 anos e multa.

E, para concluir esse festival de aumento de penas, verifica-se no artigo 20 que as penas previstas nos artigos 14, 15, 16, 17 e 18 serão aumentadas da metade se o agente (autor da conduta) for integrante de órgãos e empresas indicadas nos artigos 6, 7 e 8 da lei, ou se o agente for reincidente específico —vale dizer, já condenado anteriormente por violação desta lei.

Concluindo, na contramão do que prega o governo federal, o pacote anticrime endureceu sobremaneira a punição dos delitos acima destacados, ocasionando, a nosso ver, um descompasso no sistema repressivo brasileiro. Isso porque, num país em que o homicídio simples tem previsão de punição iniciando no patamar de seis anos de reclusão, não se pode admitir que aquele que importa ilegalmente uma arma, mesmo que ativador ou colecionador regulamentado, esteja sujeito à punição que começa no patamar de oito anos de reclusão.

 

Por derradeiro, adverte-se que essas penas mais graves só poderão sujeitar aquele que cometeu o crime após a promulgação da nova lei, pois a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o acusado. Assim, as condutas praticadas antes da nova lei permanecem sujeitas à lei anterior, com suas antigas penas.

Na prática, caberá ao Judiciário aplicar a lei ao caso concreto. Todavia, espera-se que o julgador tenha bom senso e visão sistematizada para não patrocinar decisões absolutamente injustas.

Luiz Flávio Borges D'Urso

Advogado criminalista, doutor em direito penal pela USP e ex-presidente da OAB-SP

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