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Ricardo Yazbek

Quanto maior a restrição, maior a desigualdade

Elitistas, leis 'expulsam' famílias para as periferias

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Há mais de 40 anos, “Casa no Campo” foi uma referência icônica no repertório musical brasileiro. Expressava um desejo de então.

Hoje, 85% dos brasileiros moram em cidades, as quais ocupam em torno de 1% do território nacional! Daqui a apenas dez anos, mais de 90% da população do país viverá em áreas urbanas. E o sonho da cidade feliz só será possível com regulações urbanas alinhadas a essa realidade.

Ricardo Yazbek Engenheiro civil, é vice-presidente do Secovi-SP (sindicato da habitação)
O engenheiro Ricardo Yazbek, vice-presidente do Secovi-SP - Divulgação

A crescente concentração de habitantes em centros urbanos é um fenômeno mundial. Uma tendência irreversível, que impõe aos gestores públicos a responsabilidade de garantir cidades funcionais, amigáveis, inclusivas, sustentáveis e com qualidade de vida.

Experiências internacionais mostram que o maior aproveitamento no uso e na ocupação do solo viabilizou a oferta de moradias a preços acessíveis, por meio de edifícios altos e aproveitamento inteligente do potencial dos terrenos. E, quanto mais altos, mais áreas de convívio social (praças), melhor ventilação, insolação, uso dos equipamentos públicos e mobilidade.

Infelizmente, a maioria das cidades do Brasil, principalmente São Paulo, a maior metrópole do país, vai na direção contrária. As legislações urbanas, elitistas e restritivas, encarecem as moradias, expulsam as famílias para zonas periféricas e obrigam o poder público a levar (ou a tentar levar) infraestrutura mínima a locais remotos. As condições de mobilidade se tornam impraticáveis. A poluição é agravada. Enormes recursos são desperdiçados. Uma desigualdade tão desproporcional que nos escancara que o modelo urbanístico utilizado deu errado.

Várias são as situações criadas por essa equivocada política, que coloca grande parte da população na cidade informal ou em zonas de proteção a mananciais, quase todas invadidas e ocupadas ilegalmente.

E o elitismo da legislação persiste, empurrando as pessoas de boa-fé aos aproveitadores. Perplexos, vemos o avanço do crime organizado controlando áreas e atuando num mercado paralelo e ilegal, como esta Folha mostrou em editorial e em reportagens recentes.

Além das restrições urbanísticas, impondo inaceitável subaproveitamento dos poucos terrenos disponíveis, o setor imobiliário formal ainda enfrenta a resistência do “NIMBY” (acrônimo em inglês para “not in my backyard” —”não no meu quintal”). O egoísmo daqueles que já moram exclui aqueles que teriam o direito de também morar. Querem exclusividade. Ingressam com representações no Ministério Público e ações. Tentam embargar empreendimentos legalmente aprovados. Impedem o aumento da oferta de moradias.

Em seu livro “Os Centros Urbanos – A Maior Invenção da Humanidade”, Edward Glaeser, professor de economia de Harvard, constata: cada vez que se proíbe a construção de novos prédios, a cidade vai se tornando mais cara e excludente. E isso provoca a criação de favelas e ocupações ilegais ao seu redor.

Temos de mudar isso. As restrições de densidade e gabaritos têm de ser revistas. A densidade média de São Paulo é baixa: 7.500 habitantes/km2. Paris tem quase 21 mil hab./km2, e Nova York, 11 mil hab./km2 
Diferentemente do que muitos pensam, o bairro mais adensado da capital é Sapopemba, com mais de 21 mil hab./km2. E lá quase não há prédios! Adensamento e verticalização são conceitos diferentes. Os coeficientes da atual legislação são extremamente baixos —na contramão do que existe nas principais metrópoles do mundo.

Relatórios publicados recentemente na revista The Economist mostram que sistemas de planejamento flexíveis, com tributação e regulamentação financeira apropriadas, podem transformar a habitação em força para a estabilidade social e econômica. E a calibragem adequada das regras urbanísticas (adensamento, uso e ocupação do solo) são instrumentos para diminuir o preço dos imóveis e reduzir os deslocamentos entre casa e trabalho, com melhor uso da infraestrutura pública.

Uma mensagem aos legisladores: políticas que retêm a produção de mais moradias não conversam com economias modernas e só agravam as desigualdades sociais e geográficas.

Ricardo Yazbek

Engenheiro civil, é vice-presidente do Secovi-SP (sindicato da habitação)

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