A crise sanitária da pandemia da Covid-19 compromete planos. O necessário isolamento, o cancelamento de eventos presenciais, o fechamento ao público do comércio e de serviços requer ajustar o calendário, adiando compromissos e prolongando prazos. Logo, é razoável alguma mudança do calendário das eleições municipais deste ano.
Contudo, para manter a lisura das eleições e a capacidade dos eleitores votarem da maneira mais bem informada possível, decidindo da melhor forma, duas coisas devem ser evitadas.
Uma são alterações para ajudar casuisticamente atores políticos específicos. Mudanças de datas não podem ser pretexto para driblar problemas que, mantido o calendário original, seriam incontornáveis, pois isso prejudica a equidade da competição eleitoral. É o caso de prazos de filiação, de desincompatibilização, da vigência dos mandatos atuais ou do registro de novos partidos políticos.
A outra é promover alterações institucionais permanentes sem discutir ponderadamente seus efeitos, arriscando piorar o processo eleitoral. É o caso da ideia estapafúrdia de unificar todas as eleições, de presidente a vereador, num pleito só a cada quatro anos.
As justificativas para tal são frágeis: economia (“eleições são caras”) e paralisia administrativa (“tudo para em ano de eleição”). Em democracias mais antigas, a frequência de eleições é bem maior. Elas não têm esses problemas? Eleições não seriam muito mais baratas se unificadas, mas seus gastos seriam mais concentrados no tempo. Porém, a ínfima economia seria compensada por um brutal prejuízo democrático: a piora do debate político e das escolhas eleitorais. E por que isso?
Hoje, em eleições municipais, o eleitorado faz duas escolhas (prefeito e vereador); nas eleições mais gerais, até seis (presidente, senadores, governador, deputados federal e estadual). Unificando, faria oito!
O debate iria do buraco da rua à política externa, passando pela gestão de recursos hídricos, segurança, saúde, educação (em todos seus níveis, cada um sob responsabilidade de um ente federativo) etc. A atenção a cada candidatura (sobretudo para o Legislativo) e a compreensão de cada tema seriam muito menores.
Se hoje eleitores já dão pouca atenção a certos temas, ou têm dificuldade para acompanhar ou compreender questões, a cacofonia de uma megaeleição pioraria tudo. As escolhas tenderiam a ser ainda mais afetivas ou irrefletidas, a qualidade de informação compreensível diminuiria.
Mais sentido há em aglutinar eleições municipais e estaduais: o menor número de cargos (apenas quatro) e a proximidade entre assuntos permitiria um debate melhor, até facilitando desfazer confusões de competência estadual e municipal.
Eleições federais separadas (presidente, deputado federal e senadores) teriam um número menor de cargos (até quatro), debatendo questões nacionais —aquelas sob responsabilidade do presidente da República e do Congresso Nacional.
A paralisia administrativa também é questionável. Por um lado, anos eleitorais são aqueles da entrega de políticas visíveis; por outro, não se resolve continuidade administrativa sacrificando o calendário eleitoral, mas aprimorando a gestão e as políticas.
Claro que a pandemia pode requerer alterações no calendário eleitoral deste ano. Contudo, não pode servir para ardilosamente prolongar mandatos e, pior, produzir uma degradação permanente da qualidade das eleições sob falsas justificativas.
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