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Roberto Livianu

Chega de 'rouba, mas faz'

Não devemos permitir a eternização dos que só querem se servir do poder

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Há alguns anos, o político Paulo Maluf moveu ação pedindo indenização por danos morais contra o jornalista José Nêumanne Pinto pelo uso frequente do termo “malufar” como sinônimo de roubar. O juiz teve a coragem de indeferir a petição inicial do processo. Afirmou que fatos notórios não dependiam de provas e que seria do conhecimento de todos que Maluf era um político ladrão e, portanto, o termo “malufar” já tinha se tornado um neologismo incorporado à língua portuguesa, sendo incogitável pensar em condenar o jornalista por danos morais pelo uso de tal termo.

Aliás, não é sem motivo que muitos acreditam ser Maluf o mito nacional, o criador, a origem da expressão “rouba, mas faz” —que, na realidade, é a máxima ademarista. Refiro-me a Ademar Pereira de Barros, nascido em 22 de abril de 1901, em Piracicaba (SP), e falecido em Paris em 12 de março de 1969.

O procurador de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção - Zanone Fraissat - 4.dez.18/Folhapress

Ademar de Barros governou o estado de São Paulo por três vezes (uma delas como interventor), foi um dos principais apoiadores do golpe de 1964 e por duas ocasiões tentou ser presidente da República. Foi o grande articulador da criação do Partido Social Progressista (PSP), para sua autopromoção.

Como registra Affonso Ghizzo Neto, em “A Corrupção na História do Brasil”, obra coletiva do Instituto Não Aceito Corrupção publicada em 2019, “as administrações públicas de Ademar de Barros foram marcadas pela realização —com grande marketing político— de obras faraônicas em todo o estado de São Paulo, entre elas: as rodovias Anchieta e Anhanguera, o Hospital das Clínicas, o autódromo de Interlagos, a Casa de Detenção de São Paulo, a Ceagesp e o aeroporto de Viracopos. Ao vincular sua imagem pessoal à inauguração de grandes obras com visibilidade marcante, Ademar aumentou sua popularidade entre todas as classes sociais, inclusive —pouco importava— com a fama conjunta de governante corrupto, pois, ainda que roubasse, seria um grande realizador de obras. Em resumo, restou consagrado: “rouba, mas faz”.

Os registros históricos apontam que, ao ser Ademar percebido como corrupto na década de 1950, seus defensores, ao invés de negar os desvios, os abusos, os atos de corrupção, começaram a afirmar sem escrúpulos que ele roubava, mas realizava, o que contribuiu para a sedimentação do slogan político que muitos acreditam indevidamente pertencer a Paulo Maluf.

Na verdade, ele representava uma liderança política personalista que influenciou habilidosamente toda uma geração. Manipulava as massas. Era o homem bondoso a quem os recebedores das benesses estatais se tornavam eternamente devedores, o rei do clientelismo, o mago do patrimonialismo populista, o líder carismático de dimensões divinas, que dava ao Estado caráter transcendental, o grande pai. Verdadeiro e legítimo monumento hoje demolidor dos princípios constitucionais de 1988 da moralidade, legalidade e impessoalidade.

Nas eleições gerais de 2018, tivemos uma brisa de renovação (no Senado, da ordem de 85%), ainda que muitos processados por corrupção tenham sido eleitos. E, nas últimas semanas, tomamos conhecimento de que os bens de Paulo Maluf fora do Brasil foram confiscados e suas ações em empresas se encaminham para leilão —o que nos gera a sensação de justiça efetiva em relação a ele, ícone nacional de corrupção. Sabemos que faltam ainda muitos outros. Estamos certamente tocando a ponta do iceberg, mas estamos no caminho.

Um desafio complexo que precisaremos enfrentar e vencer é o de mostrar para cada cidadão que não precisamos de salvadores da pátria, que o político “rouba, mas faz”, tanto de direita como de esquerda, trai o povo. A entrega da obra não deve isentar de pena o desvio de verba, o enriquecimento pessoal.

Que o eleitor saiba que, ao trocar seu voto por uma dentadura ou por uma cesta básica, está vendendo sua dignidade, sua alma e o futuro da nação. Que o único caminho é o da integridade no escrutínio da eleição que teremos em 4 de outubro para a escolha dos novos prefeitos e vereadores. Não devemos permitir a eternização nem a concessão de qualquer espaço político para aqueles que só querem se servir do poder. Chega de “rouba, mas faz”!

Roberto Livianu

Procurador de Justiça e doutor em direito pela USP, é idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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