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Oded Grajew

Nossas desigualdades são vergonhosas, inconstitucionais, estúpidas e matam

Ou redistribuímos renda ou conviveremos com vergonhosos indicadores

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Os princípios da nossa Constituição, no artigo 3º, determinam que faz parte dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Quais resultados alcançamos a partir desse mandamento? O Brasil se constituiu num dos campeões mundiais de desigualdade social, econômica, racial, de gênero e territorial. Cerca de 5% da população mais rica aufere 95% da renda nacional. Apenas 0,1% dos brasileiros mais ricos possuem 48% da riqueza do país. Negros ganham 57% do que ganham os brancos, e mulheres recebem 62% do que recebem os homens. Em São Paulo, a idade média de morte de quem mora em distrito rico é de 79 anos —e de 54 anos para quem mora no distrito mais pobre.

Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil - Ze Carlos Barretta - 2.dez.19/Folhapress

Todo começo de ano ficamos frustrados com o resultado do PIB, mas a maioria dos economistas e o governo nos acalmam, garantindo que o resultado do próximo ano será bem melhor. Para o PIB crescer, as vendas dos diversos setores da nossa economia deveriam aumentar. As pessoas precisariam comprar mais produtos, bens e serviços. Mas teria a maioria da população brasileira renda suficiente para isso? São 45 milhões de brasileiros pobres, que ganham menos de US$ 5 por dia. A média dos rendimentos da metade mais pobre da população é de R$ 820 por mês.

O Brasil, quinto país do mundo em termos de população, em vez de criar um grande e robusto mercado interno capaz de impulsionar de forma sustentável o crescimento econômico, produziu políticas concentradoras de renda, deixando a imensa maioria da população no limite da sobrevivência. Além de contrariar a Constituição e serem eticamente condenáveis do ponto de vista econômico, tais políticas são totalmente estúpidas. Henry Ford, em 1914, quando questionado porque pagava salários acima do mercado para os seus funcionários, dizia que queria que as pessoas tivessem recursos suficientes para poder comprar seus carros.

A discussão em torno da reforma tributária é um exemplo dessa miopia econômica. Nosso sistema é regressivo, drena recursos dos pobres (que são a maioria da população e dos consumidores) para os ricos. Os 10% mais pobres gastam 32% de sua renda em tributos, enquanto os 10% mais ricos gastam apenas 21%. Foi por isso que a Fenafisco, com o apoio da Oxfam Brasil, entrou no STF com uma ação que solicita o reconhecimento da inconstitucionalidade do sistema e determine ao governo e ao Congresso Nacional que elaborem uma reforma que seja constitucional, isto é, que seja progressiva, que sirva para reduzir as desigualdades.

Infelizmente, até o momento, a maioria das propostas que circulam no Congresso Nacional visam apenas a simplificação do sistema, preservando sua regressividade. São inconstitucionais, alimentam as desigualdades e inibem o poder de consumo da maioria da população.

Não posso deixar de mencionar que serão os pobres as maiores vítimas do coronavírus: geralmente, não podem fazer o trabalho domiciliar, vivem em precárias e lotadas habitações e utilizam maciçamente um transporte público normalmente superlotado.

Ou redistribuímos a nossa renda e riqueza e nos tornamos um país justo e próspero, ou continuaremos a conviver com vergonhosos indicadores sociais e nos iludir com falsas promessas de desenvolvimento.

Oded Grajew

Idealizador do Fórum Social Mundial, é presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro do programa Cidades Sustentáveis, da Oxfam Brasil e da Rede Nossa São Paulo

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