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Deborah Duprat

O populismo é anti-institucional

Não à toa a realidade é constantemente distorcida

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Já há bastante pesquisa e literatura sobre uma forma recente de populismo, que alcança tanto a América como a Europa. Um livro em particular, “Populismo”, de José Luis Villacañas, é de leitura quase obrigatória.

A primeira engenharia é criar um “povo”. Aquilo que o populismo chama de “povo” é uma construção nova, distante de noções antigas de harmonia e igualdade. O povo surge aqui como a potência formadora do conflito. Como o povo é em si o conflito, é logicamente necessário que haja um corpo social e político mais amplo e atravessado em dois: os amigos e os inimigos do povo.

A procuradora federal Deborah Duprat, do Ministério Público Federal - Pedro Ladeira - 9.jun.15/Folhapress

Mas como, em sociedades plurais, se obtém essa homogeneidade do povo? O populismo como construção tem um material muito concreto: a linguagem. O populismo dispõe de uma política comunicativa supermoderna, que se dirige ao afeto, ao sentimento, à teatralidade e à espetacularidade para a produção do “comum”. Não há nada de inocente ou pouco refletido no uso do grotesco e do despudorado. São modos de ativar símbolos de pertencimento adequados a novos formatos de comunicação e a novos receptores.

O populismo surge quando as instituições do Estado começam a falhar no atendimento a demandas de diversas ordens, principalmente associadas a crises econômicas. O “povo” então nasce quando o populismo sabe capturar uma insatisfação múltipla e plural e a dirige contra o Estado. As instituições passam a ser vistas como locais de privilégio, de corrupção, de balbúrdia. Elas são, preferentemente, o inimigo, o outro.

Mas se o Estado não resolve as demandas, e se todas elas são equivalentes, há alguém que as resolve. Esse alguém é o líder, o objeto do amor. É preciso lembrar que toda a construção populista repousa sobre construções metafóricas, ou seja, sua teoria depende de uma construção retórica da realidade através da linguagem. Toda a lógica de demandas equivalentes é metafórica.

Só o líder produz a unificação simbólica, a significação estável necessária para configurar uma identidade. Por isso o populismo vive do afeto, e não da razão. Por isso o real precisa estar constantemente distorcido. O  populismo vive do reclamo e da insatisfação: por isso, o Estado não pode funcionar. O populismo em lugar de usar o poder para superar a crise institucional, o usa para perpetuá-la, condição de seu sucesso. O “povo” requer permanentemente exaltação e a intensificação das emoções.

Por isso o populismo reduz a importância da inteligência e coloca em primeiro plano a estrutura mais amalgamada do afeto. E, acima de tudo, o líder.

Se perguntarmos quais sociedades estão mais predispostas a que o populismo triunfe, há um consenso de que são aquelas que se entregam sem limites e sem correções ao mercado. São as sociedades em que o Estado pouco importa, porque cada qual é empreendedor de si próprio, em que há um embrutecimento geral dos arsenais culturais, em que o máximo de individualismo retira a capacidade de colaboração entre as pessoas. O afã privatizador dos serviços públicos auxilia a desmontagem institucional que o populismo necessita para sua construção.

Mas ainda bem que se trata apenas de teoria.

Deborah Duprat

Subprocuradora-geral da República aposentada

TENDÊNCIAS / DEBATES

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