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Fernando Capano e Willian Sampaio

Paraisópolis: fatos não podem ser sacrificados

Há evidente descumprimento de deveres municipais

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Nos últimos dias, novas notícias acerca do andamento das investigações da tragédia em Paraisópolis vieram à tona. O promotor de Justiça no âmbito da Justiça Militar solicitou novas diligências ao órgão correcional da PM paulista, buscando apurar quem seriam os responsáveis pela organização dos bailes na comunidade da zona sul paulistana. Nada mais lógico, visto que salta aos olhos o evidente descumprimento de elementares posturas municipais, por ocasião da promoção de evento com milhares de pessoas em local geograficamente inapropriado.

No entanto, artigo publicado nesta Folha em 28 de fevereiro faz parecer que o discurso fácil da suposta violência policial, como causa direta das mortes, precisa prevalecer, ainda que à custa de completa distorção dos fatos como realmente ocorreram. A apuração conduzida até agora pela Corregedoria da PM paulista —e também pela Polícia Civil— foi absolutamente técnica e profunda, sendo certo que, de forma exaustiva, analisou mapas, imagens e croquis do local e dia da tragédia, cruzando tais dados com a análise apurada e atenta do áudio da ocorrência copiado no Centro de Operações da Polícia Militar, desde seu início até a apresentação da ocorrência, horas depois, no distrito policial competente para primeiro conhecer o ocorrido. 

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Parentes e amigos de vítimas em ato ecumênico em homenagem aos nove mortos em baile funk em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo - Marlene Bergamo - 7.dez.19/Folhapress

Provado está que o estopim do tumulto se deu em razão direta da atitude praticada por dois indivíduos que, atirando contra os policiais, invadiram o “fluxo” do baile. Com a correria gerada exclusivamente por tal ato, nove jovens morreram pisoteados, como comprovam as análises periciais já produzidas e acostadas aos dois inquéritos, no âmbito militar e no DHPP (departamento de homicídios). A ausência de relação de causalidade entre a conduta dos primeiros policiais que estavam em perseguição aos referidos indivíduos e as lamentáveis mortes ocorridas é cristalina, o que está absolutamente refletido no bojo do relatório final produzido pelo órgão censor da Polícia Militar, cuja severidade é reconhecida até por críticos da atividade policial e que, somente em 2019, demitiu ou expulsou um policial a cada dois dias.

Causa perplexidade o furor com que tais conclusões têm sido combatidas. Aliás, de se ponderar que o relatório produzido pelo profissional encarregado do inquérito goza de presunção de legalidade —premissa básica ensinada nas lições de direito administrativo. Portanto, apenas alegar “corporativismo”, visto que a conclusão do inquérito não condiz com suposta opinião unilateralmente formada, configura verdadeira irresponsabilidade, contribuindo ainda mais para o cenário de caos institucional que vivemos neste início de 2020. Chega-se até a criticar a nomeação de um ou outro da lista tríplice para a Ouvidoria da Polícia! A lista, como o nome sugere, traz três nomes e a indicação de qualquer um deles é legítima. Assim dispõe a lei.

A antecipação de culpa na direção dos agentes policiais representa atitude açodada. Se o amplo direito de defesa nos é valor constitucional extremamente caro, isto por óbvio deve valer para todos, inclusive para agentes estatais. Se a violência policial existe —e não se fecha os olhos para tal fato— precisa ser, e é, duramente combatida. 

As vítimas desta tragédia não podem ser criminalizadas; nem tampouco o próprio movimento chamado funk, goste-se ou não dele. O que no entanto também é inadmissível é a insistência por parte de alguns personagens envolvidos no caso na narrativa refletida na equação “violência policial é igual mortes dos jovens em Paraisópolis”. A permanecer tal linha de raciocínio, sem lastro, como demonstram as apurações, estamos em verdade possibilitando que novas tragédias desta natureza ocorram, com mais vidas ceifadas.

Não nos permitamos, por mais fácil que tal discurso pareça, permanecer nesse círculo vicioso, pernicioso e odioso.

Os verdadeiros causadores da tragédia de Paraisópolis precisam ser responsabilizados.

Fernando Capano e Willian Sampaio

Advogados de seis policiais militares envolvidos na ação que resultou na morte de nove jovens na favela de Paraisópolis, em São Paulo

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