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Helder L. de Queiroz, Adalberto Val e Maria Teresa Piedade

Pesca em áreas protegidas: regulamentar para quem?

Portaria não prevê como atividade será controlada

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As unidades de conservação formam um dos mais importantes eixos da estratégia de conservação da biodiversidade do Brasil. A regulamentação das áreas protegidas prevê, em algumas delas, a presença de populações tradicionais e o uso sustentável dos recursos naturais, criando as condições para a manutenção de seus modos de vida e territórios. Em outras unidades de elevada importância biológica, há a previsão de proteção integral, preservando-as totalmente de ações humanas.

É positivo regulamentar o uso apropriado dos recursos naturais nas unidades de conservação de uso sustentável. Mas causa estranheza a publicação da portaria nº 91, de 5 de fevereiro último, que permite a pesca esportiva também em algumas unidades de proteção integral. Mesmo em áreas de uso sustentável, a sustentabilidade dessa atividade depende de fatores como as espécies de peixes presentes e sua abundância, os ambientes de pesca, o público beneficiário e os apetrechos que serão empregados.

Foto tomada por agente ambiental durante autuação de Jair Bolsonaro por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, região de Angra dos Reis (RJ)
Foto tomada por agente ambiental durante autuação de Jair Bolsonaro por pescar dentro da Estação Ecológica de Tamoios, na região de Angra dos Reis (RJ) - 25.jan.12/Divulgação

As atividades que podem ser desenvolvidas em unidades de conservação de uso sustentável estão previstas no Plano de Manejo, resultante de estudos prévios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que gerencia as unidades de conservação do Brasil. Os planos devem ser submetidos a consulta, aprovados pelo Conselho Deliberativo da unidade, e homologados pelo órgão gestor. Quando prevista nesse documento de gestão, a pesca esportiva pode gerar vínculos com setores produtivos e emprego e renda para os moradores locais. Entretanto, ela não pode ser executada em qualquer unidade, nem se contrapor à legislação que regula o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Há experiências positivas de pesca esportiva em algumas unidades de conservação de uso sustentável e terras indígenas, onde as atividades executadas são controladas e monitoradas continuamente.

Entretanto, a facilitação da introdução de espécies invasoras e mesmo a modalidade pesque e solte (que resulta em mortalidade e estresse dos peixes) podem resultar na perda da biodiversidade em ecossistemas aquáticos. Sem considerar esses aspectos, a portaria cria condições para que a pesca esportiva ocorra indiscriminadamente em todos os tipos de unidades de conservação do Brasil, de forma pouco planejada e sem especificar o público beneficiário.

Preocupa, em especial, o fato de que a portaria não prevê como o órgão gestor irá controlar essa atividade. Ao contrário, estabelece que caberá aos usuários (pescadores esportivos e prestadores de serviços) atentar para a legislação específica, controlar as espécies pescadas e os apetrechos empregados. Como será aferida a eficácia desse modelo de gestão e seus benefícios, se o controle do uso for exercido pelos próprios usuários? O próprio Estado abdicará de seu papel fundamental!

Ainda que busque regulamentar uma importante modalidade de uso dos recursos pesqueiros, essa portaria, na verdade, ampliará de forma casuística sua abrangência —das unidades de uso sustentável para as de proteção integral. Sem explicitar os mecanismos de controle dos órgãos responsáveis, essa medida poderá se somar a outras que já vêm contribuindo para a perda da nossa biodiversidade, patrimônio de todos os brasileiros.

* Este artigo é subscrito pela Coalizão Ciência & Sociedade, que reúne 72 cientistas de instituições de todo o Brasil

Helder Lima de Queiroz

Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

Adalberto Val

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

Maria Teresa Piedade

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

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