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Precaução máxima

Não se pode hesitar em medidas duras contra epidemia, mesmo com custo econômico

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Campus da UFRJ na Praia Vermelha, após suspensão das aulas devido ao coronavírus - Ricardo Borges/Folhapress

As autoridades sanitárias brasileiras têm, até aqui, lidado relativamente bem com o problema da covid-19. Baseiam sua atuação em ciência, não em ideologia —o que não é tão comum no governo federal. Conseguiram fazer com que informações importantes sobre a prevenção chegassem à população sem desencadear pânico.

Houve planejamento. Até uma legislação específica para a epidemia, a lei 13.979 de 2020, foi aprovada com celeridade. Mais importante, o sistema de vigilância, pelo qual a rede identifica os doentes, confirma o diagnóstico e os isola, parece estar funcionando.

Nos países em que isso não ocorreu, como o Irã e a Itália (não por acaso, aqueles onde a epidemia se mostra mais grave), os mortos surgiram com o registro dos primeiros casos, em um forte indício de que o monitoramento falhou.

O Brasil, entretanto, já apresenta os primeiros casos de transmissão comunitária, o que configura prenúncio de que a situação pode piorar rapidamente. Isso significa o ingresso numa fase em que ações mais contundentes —e impopulares— mostram-se necessárias.

Fala-se aqui de decisões como suspender aulas, cancelar atividades esportivas e culturais e, eventualmente, até proibir o trânsito de pessoas. Muitas dessas medidas já vem sendo adotadas. Será preciso fazer ainda mais, entretanto.

Impor restrições amplas no momento correto faz enorme diferença no desenvolvimento do surto. Tal momento, no caso brasileiro, está muito próximo. Especialistas ouvidos pela Folha falam em poucos dias ou cerca de duas semanas.

Há motivos para temer que as autoridades ainda se comportem de modo tímido. Um presidente a afirmar, a partir de suas próprias e doutas impressões, que o coronavírus está sendo superdimensionado pela imprensa não facilita o trabalho de subordinados que precisam tomar decisões técnicas.

Não pode haver hesitação, por mais que se temam os impactos econômicos da suspensão de atividades e transações. O fato de o Sars-CoV-2 ser um vírus novo, sobre o qual ainda pouco se sabe, justifica que nos orientemos pelo princípio da precaução.

Pelos dados até aqui coletados, a covid-19 é uma doença relativamente benigna para cerca de 80% dos pacientes. Outros 15% desenvolverão quadros mais graves, precisando, eventualmente, de cuidados hospitalares, e 5% chegarão a estado crítico, necessitando de suporte ventilatório em leito de UTI.

A letalidade está por ora estimada em 3,6%. O número definitivo, a ser calculado após o fim da epidemia, deverá ser menor.

A distribuição dos óbitos por faixa etária chama a atenção. A mortalidade não chega a 0,2% entre menores de 40 anos, mas vai a 8% na faixa entre 70 e 79 e bate em impressionantes 14,8% entre aqueles com mais de 80. Há estudos que apontam letalidade ainda maior para os mais velhos.

A grande incógnita reside no número de pessoas que serão infectadas. Os sinais que vêm dos países em que a epidemia de covid-19 está mais madura sugerem um quadro mais tranquilizador, mas, de novo, os conhecimentos são precários.

Não há como descartar o risco de que, depois que os chineses encerrarem as quarentenas, o vírus volte a circular com força, ou que a moléstia se torne endêmica.

Os óbitos diretos são apenas parte do problema. A grande dificuldade em epidemias, deixando de lado o impacto econômico —já devastador— e considerando somente o aspecto sanitário, é que milhares de pessoas ficam doentes ao mesmo tempo, levando a uma sobrecarga dos serviços de saúde.

Isso significa que portadores de outras moléstias são afetados. Em prontos-socorros lotados, nos quais médicos e enfermeiros faltaram porque ficaram doentes, quem sofreu um infarto corre risco de morte muito superior ao normal. Em tal cenário, ademais, praticamente todas as cirurgias não emergenciais acabam adiadas.

Especialmente preocupante em relação à covid-19 é que os doentes em estado crítico podem precisar de até três semanas de leito de UTI com suporte ventilatório. Trata-se de desafio até para países ricos e com rede hospitalar muito mais desenvolvida que a brasileira.

Não resta muito a fazer para deter a epidemia, mas cumpre agir para evitar que uma enorme quantidade de casos ocorra ao mesmo tempo.

Como nas fases iniciais a transmissão obedece a um padrão exponencial, uma redução, ainda que modesta, no ritmo de contágio resulta, dentro de algumas semanas, em importante queda no total de pacientes —o que proporciona um bem-vindo alívio para o sistema.

Há indicações de que isso é factível. Países como Japão e Singapura, apesar de estarem entre os primeiros a registrarem casos, parecem ter conseguido evitar o pior. Algumas províncias chinesas que não foram pegas de surpresa também lidaram relativamente bem com a situação. Mesmo a Coreia do Sul, duramente atingida, conseguiu superar a adversidade.

A diferença entre os países mais e menos afetados pela epidemia está nas decisões tomadas no início da crise —além de alguma sorte.

editoriais@grupofolha.com.br

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