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Luana Raposo de Melo Moraes Aps

Teremos uma vacina? Provavelmente só em 12 meses

Trata-se de ferramenta efetiva, mas desenvolvimento é dos mais regulados

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Luana Raposo de Melo Moraes Aps

Em 16 de março começaram os testes em humanos da primeira vacina contra o coronavírus Sars-Cov-2. O estudo, batizado de “Fase 1”, visa investigar a segurança de uma vacina desenvolvida pela empresa Moderna, dos EUA. Assim como outras 30 vacinas em desenvolvimento, ela é projetada para treinar o sistema imunológico a produzir anticorpos que reconheçam e bloqueiem uma proteína da superfície do vírus, responsável pela entrada deste nas células humanas. Outra vacina de DNA em desenvolvimento e que tem como alvo a mesma proteína deve iniciar teste em humanos em abril. Em seu site, a empresa Inovio diz que desenhou a vacina apenas três horas após a publicação por pesquisadores chineses da sequência genética do vírus causador da doença Covid-19.

A velocidade com que essas vacinas estão sendo desenvolvidas também se reflete na rapidez com que são conduzidos os estudos: ambas estão sendo testadas em animais ao mesmo tempo em que se realizam os ensaios em humanos. Uma boa notícia, mas nem tanto.

Pesquisador trabalha em um laboratório de Cingapura que está desenvolvendo uma maneira de rastrear alterações genéticas que aceleram os testes de vacinas contra a Covid-19 - Joseph Campbell - 23.mar.20/Reuters

A vacina é uma das ferramentas mais efetivas na prevenção de doenças, mas seu desenvolvimento é dos mais regulados. Em circunstâncias normais, sem caráter emergencial, as formulações passam por uma série de testes até serem aprovadas para comercialização. O processo dura, em média, 12 anos. Mas há exceções. A partir do surto do vírus ebola na África ocidental em 2013, que matou 11 mil pessoas, foi desenvolvida e aprovada uma vacina em tempo recorde de cinco anos!

Para desenvolver vacina, primeiramente é necessário demonstrar que ela funciona e é segura usando modelos experimentais (células e animais). É a etapa “pré-clínica”, crucial para identificar a melhor dose e os efeitos colaterais que poderão surgir quando for administrada em seres humanos.

A seguir, a vacina candidata passa a ser avaliada em pessoas em ensaios clínicos. A “Fase 1”, realizada num pequeno número de indivíduos, avalia a segurança e a capacidade da vacina em estimular o sistema imunológico. A “Fase 2” mede segurança e eficácia e envolve centenas de indivíduos. Por fim, a “Fase 3” avalia milhares de indivíduos e fornece a documentação crítica da eficácia e dados de segurança adicionais necessários para o licenciamento. Esta última fase é de extrema importância para identificar eventos raros que não aparecem na avaliação de grupos menores. Não se pode correr o risco de usar uma vacina que possa piorar a gravidade da Covid-19. Este fenômeno de “aprimoramento da doença” foi estudado no caso do vírus Sars-CoV da epidemia de 2003.

No caso da Covid-19, ainda há muitas perguntas sem respostas necessárias para a sua avaliação em humanos. Quando alguém é infectado, desenvolve imunidade? Quanto tempo dura a imunidade? O nível de anticorpos é o melhor parâmetro para medir a proteção contra a doença?

O aumento exponencial das infecções e óbitos causados pelo Sars-CoV-2 no mundo pressionam a busca por uma vacina. Todos os prazos estão sendo encurtados. Porém, temos que ser cautelosos. A primeira vacina não deve estar disponível antes do início de 2021.

Luana Raposo de Melo Moraes Aps

Doutora em ciências biológicas pela USP e cofundadora da ImunoTera Soluções Terapêuticas, startup apoiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para desenvolver uma vacina contra o câncer associado ao vírus HPV

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