Descrição de chapéu
Marcos da Costa

A Justiça na crise do coronavírus

Apenas o advogado é capaz de defender quem sofreu impactos na pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O receio de contaminação do coronavírus não é o único problema que tem tirado o sono das pessoas; muitos não estão dormindo pelo temor de perder empregos, de não conseguir gerar faturamento ou de não ter dinheiro para pagar as contas.

A advocacia se torna, nesse contexto, ainda mais importante. Tal qual somente o médico é habilitado para indicar o melhor remédio para o tratamento dos infectados pelo coronavírus, é o advogado o único profissional capacitado a aconselhar e defender aqueles que tiverem direitos e obrigações impactados pela crise ou por medidas adotadas pelos governos para enfrentamento da pandemia.

O advogado Marcos da Costa, ex-presidente da OAB-SP - Mathilde Missioneiro - 12.nov.19/Folhapress

A advocacia, aliás, é profissão de construção da paz social. É ela quem, nos ciclos econômicos de crescimento ou de crise, como o atual, se apresenta para orientar, mediar conflitos e, quando necessário, representar cidadãos e empresas perante o Poder Judiciário para reclamar o respeito aos seus direitos, ou para defende-los, quando acusados de descumprir obrigações.

Na contramão dessa realidade, o corregedor-geral do Tribunal de Justiça de São Paulo baixou, no dia 17 de abril, o provimento CG 11/2020, em razão das consequências negativas que a Covid-19 trará para a economia, como, por exemplo, perda de postos de trabalho, inadimplemento das obrigações e redução da arrecadação de tributos e a possível judicialização em massa das disputas envolvendo contratos comerciais e demandas societárias diretamente relacionadas à pandemia.

Apesar de bem colocar o problema, aquele provimento demonstra solução completamente equivocada, querendo permitir que empresas e cidadãos apresentem diretamente ao Tribunal de Justiça, por mensagem eletrônica, questões ligadas à pandemia, não exigindo a imprescindível representação por meio da advocacia.

O ato da Corregedoria-Geral é altamente prejudicial à Justiça e ao jurisdicionado, além de ser inconstitucional, posto que despreza a advocacia, declarada como indispensável à administração da Justiça pelo artigo 133 da Constituição do Brasil. Apesar de se referir à mediação, é de se presumir que o cidadão comum que busque apoio do Judiciário imagine que receberá prestação jurisdicional, sem distinguir se por ato de juiz ou de um mediador.

O provimento é um estímulo à litigiosidade, incentivando pessoas e empresas com qualquer tipo de problema relacionado à pandemia a procurar diretamente o Poder Judiciário, tendo ou não direito.

Como é sabido, o advogado é o primeiro juiz da causa exatamente pela capacidade técnica que tem de, ouvindo os reclamos de seu cliente, informar se tem ele direito ou não e quais as formas de fazer com que seja respeitado, deixando, muitas vezes, o ingresso em juízo como a última das alternativas.

Aquele ato também peca por atribuir ao cidadão responsabilidades que ele, no mais das vezes, sequer terá capacidade técnica de entender e de observar, como por exemplo apresentar na mensagem eletrônica a “causa de pedir”. Fora o risco de o cidadão prejudicar seu próprio direito apresentando pedidos de forma equivocada, ou então encaminhando ao TJ matéria própria da Justiça Federal ou Trabalhista.

Ademais, o provimento extrapola o princípio da legalidade. O poder jurisdicional é um poder inerte, que só age mediante provocação do interessado —o exercício do direito de ação— cabendo-lhe, nesses casos, entregar uma prestação jurisdicional que solucione o litígio. Não é, em suas atribuições constitucionais, órgão de aconselhamento, nem voltado a fazer mediações informalmente iniciadas por mensagens eletrônicas. O Judiciário só exerce suas funções uma vez que exista um processo instaurado regularmente, na forma da lei. E, evidentemente, carece a Corregedoria de Justiça de competência legislativa para criar meios outros de ingresso em juízo, ou atribuir ao Poder Judiciário funções diversas das que, já em si importantíssimas, a Constituição lhe conferiu.

Melhor seria se a corregedoria se preocupasse em adotar medidas de gestão para fazer com que o Judiciário se adequasse estruturalmente para atender à demanda que surgirá da crise.

Marcos da Costa

Advogado, foi presidente da OAB-SP entre 2013 e 2018

TENDÊNCIAS / DEBATES

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.