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Fábio Faversani

Exposta na pandemia, a fragilidade humana pode fazer emergir uma sociedade mais solidária? NÃO

Em um ambiente de baixo investimento, cisões serão acirradas

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Fábio Faversani

Situações de crise social levam a uma aceleração das mudanças. Isso vale para guerras, revoluções ou epidemias. As crises têm um efeito catalisador das tendências já presentes nas sociedades. Para pensar no exercício proposto, se teremos uma sociedade mais ou menos solidária no pós-pandemia, é preciso refletir que rumos predominavam antes da crise. Focaremos no caso de dois fenômenos específicos no Brasil para exemplificar nossa percepção dessa dinâmica.

A pandemia chega ao país quando estavam em alta fenômenos bastante importantes de desconfiança com relação ao saber científico e de crítica ao sistema democrático. No caso específico do saber histórico, que é meu campo de pesquisa, o uso da tortura e da violência contra minorias passa a ser elogiada no passado, como uma forma de conter o “comunismo”, e, no presente, como saída para acabar com os “bandidos”.

Fábio Faversani - Professor de história antiga da Universidade Federal de Ouro Preto (MG) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
O professor de história antiga Fábio Faversani, da Universidade Federal de Ouro Preto (MG) - Abhner Salomão/Divulgação

Por outro lado, a democracia é vista em larga medida como sinônimo de corrupção e falta de eficiência. Investimento na esfera pública é sinônimo de desperdício e privilégio. Corta tudo! A nosso ver, após a pandemia, esses dois fenômenos serão catalisados com efeitos negativos para a constituição de uma sociedade mais solidária.

Antes da pandemia, ganhava força uma repulsa aos especialistas: quanto mais alguém conheça sobre um assunto, mais ele está envolvido em interesses relativos a esse tema e, portanto, não apenas é tendencioso, mas também falseia tudo o que diz para sustentar seus interesses. O especialista é alguém que não é comum e, mais, está contra o interesse comum e o senso comum. Portanto, os historiadores não sabem nada de história e, agora, os médicos não entendem nada de medicina.

Nesse ambiente, qualquer conhecimento que seja produzido de forma institucional (saberes escolares, as universidades em especial!) são falsos; qualquer informação transmitida por meios onde há checagem e controle editorial (jornais, rádios, TVs) é mentirosa.

A pandemia vai passar, mas a percepção dessa experiência vai ser dada pelo preconceito pautado nas visões individuais e particulares anteriores a ela. Para uma parcela importante da população, as mortes serão fruto da medicina que fracassou e de uma ciência que não serve à sociedade, mas a propósitos obscuros. Não estranhem que a mesma população que hoje clama por um remédio ou vacina, amanhã os rejeite fortemente.

A pandemia, nesse momento, é o Zepelim que apareceu no céu e assusta as pessoas. A ciência é a Geni, que estava sendo desprezada e é chamada para enfrentar o problema. Quando o Zepelim sumir do céu, escutaremos “taca pedra na Geni...”. Diminui-se a busca de soluções comuns que nos unam e fica o salve-se quem puder.

Um outro ponto importante é que a pandemia está tendo um elevado custo econômico. O Brasil vinha acumulando déficit atrás de déficit e estava com a capacidade de investimento do Estado fragilizada.

Finda a pandemia, e com um clima de “taca pedra na Geni...” instaurado, é fácil antever que virão cortes brutais de investimentos públicos em políticas de saúde (com o pessoal que batia palma na janela voltando a xingar nas portas das unidades de atendimento) e educação, além de políticas de distribuição de renda.

Em uma sociedade que se torne ainda mais desigual e com o debate público pautado no preconceito e na ignorância, como esperar algum nível de solidariedade? Tudo aponta para mais divisões e conflitos. Serão dias difíceis. Ânimo!

Fábio Faversani

Professor de história antiga da Universidade Federal de Ouro Preto (MG) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

TENDÊNCIAS / DEBATES

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