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Gradual e segura

SP faz opção correta por saída organizada da crise, mas há muito a aperfeiçoar

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Comércio fechado na cidade de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Se os seres humanos fossem autômatos indiferentes à morte e ao sofrimento do semelhante, haveria a opção teórica da saída “natural” para a epidemia do coronavírus: em poucos meses, ela faria uma montanha de vítimas e declinaria.

Como as pessoas não são assim e vão necessariamente reagir ao avanço da infecção, o espectro das escolhas passa a se dar entre a reação organizada, num polo, e a caótica, no outro. O governo paulista desde o início caminha rumo ao primeiro pilar, embora ainda esteja a alguma distância de chegar lá.

O anúncio da abertura gradual, a partir de 11 de maio, das atividades que, em nome do combate à doença, foram restringidas aproxima o estado do objetivo desejável.

Não há, no programa estadual, exotismo ou desvio em relação às linhas de propostas que nações em fase mais adiantada da passagem da Covid-19, como a França e a Alemanha, estão adotando para retomar a circulação dos cidadãos.

A saída organizada implica preparar-se para o convívio com a doença, monitorado e administrado, por período alongado. As atividades devem ocorrer em volume tal que não ameacem de esgotamento a capacidade do sistema de saúde.

Quanto mais localizada for a avaliação, melhor. Desde que as autoridades tenham instrumentos adequados de medição e intervenção, não é necessário decretar quarentena em todo o estado para debelar uma alta circunscrita de infecções.

Proteger com mais ênfase os mais vulneráveis, seja pelo fator etário, seja pela presença de comorbidades, também é uma diretriz sensata quando a sociedade passa a circular mais perto da normalidade.

Tais pressupostos —embora ainda sem o detalhamento desejável, prometido para 8 de maio— constam do plano da gestão João Doria (PSDB), que também prevê faseamento da retomada, com precedência para atividades menos propensas à aglomeração de pessoas.

A principal dúvida que ainda separa o bom plano da sua consecução é o nível de capacitação material e organizacional das autoridades estaduais para executar um programa complexo e ambicioso.

Será preciso preencher depressa o déficit de conhecimento da realidade da infecção em solo paulista, que advém sobretudo do baixo processamento de testes para o vírus.

Por esse motivo, os números da mais rica unidade da Federação, como ademais os do restante do país, são inconfiáveis. Em São Paulo, os casos registrados de infecções pelo coronavírus nesta quarta (22) montam a 15.914, com 1.134 mortes.

O primeiro motivo para duvidar da acuidade dos dados surge de pronto aí, com a elevada letalidade de 7%. Em países onde se fazem muitos testes, como Alemanha, Chile e Coreia do Sul, essa proporção é bem menor, da ordem de 1% a 3%, o que faz supor dramática subnotificação, aqui, no denominador que contém o total de casos.

A segunda razão de desconfiança brota do primeiro grande estudo brasileiro sobre alcance da infecção pelo Sars-CoV-2, no Rio Grande do Sul. Testes com 4.189 pessoas indicaram que o número provável de casos deve ser ao menos sete vezes maior que o registro oficial, e não há razão para supor que em São Paulo a escuridão seja menor.

O acervo de exames realizados em território paulista, afinal, ainda é módico. Aplicaram-se até agora em todo o estado menos de 1.000 testes por milhão de habitantes. No Chile são 4.800/milhão.

No Peru, com população mais próxima à do estado de São Paulo, 3.100/milhão, mais que o triplo.

A administração paulista afirmou que conseguiu enfim zerar a fila de exames que aguardavam processamento e promete ampliar a capacidade diária de testagem, hoje em 5.000, para 8.000. Além disso, compromete-se a entregar resultados em não mais que 48 horas.

Vai precisar também ampliar o escopo de quem será testado, hoje restrito a pessoas com sintomas mais graves e profissionais da saúde, se quiser tornar segura a fase da abertura das atividades.

Informações fidedignas e abundantes —oriundas de exames em amostras representativas da população, de indivíduos com sintomas mais leves ou de quem esteja em zonas com suspeita de alta propagação— serão cruciais para rastrear casos de infecção e embasar decisões de apertar ou relaxar restrições à circulação urbana.

Da mesma forma, é necessário que os dados regionalizados, prometidos pelo governo, sobre a ocupação da capacidade hospitalar atual e projetada estejam o tempo todo disponíveis aos cidadãos.

Que os mapas por localidade, atualizados em tempo hábil, não sejam de acesso restrito às autoridades. Só com franqueza e transparência os paulistas poderão confiar na eficácia da abertura gradual e segura prometida. Os demais entes federativos devem adotar os mesmos princípios, com a devida adaptação à realidade local.

editoriais@grupofolha.com.br

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