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Marcus Vinicius Furtado Coêlho

MP que viola sigilo dos brasileiros é inconstitucional

Assegurar a proteção de dados preserva a cidadania brasileira

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O crescimento da economia de dados e o aperfeiçoamento de tecnologias como a inteligência artificial tornam a proteção dos dados de pessoas e empresas fundamental para assegurar a democracia nas sociedades da informação. Entidades internacionais, inclusive OCDE e ONU, têm insistido para os países adotarem legislações modernas e rigorosas nesse sentido.

Os dados pessoais sigilosos, inclusive telefônicos, têm sido indevidamente apropriados para o uso criminoso pelas redes do ódio, que produzem e disseminam fake news relacionadas aos mais variados temas e às mais diferentes ideologias. Chegam, no limite, a manipular a vontade popular em eleições.

Marcus Vinicius Furtado Coelho, Presidente da OAB Nacional no período de 2013 a 2016 e atual Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho da OAB
O advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ex-presidente da OAB Nacional - Livia Sá - 4.mai.18/Divulgação

No Brasil, a Constituição garante o sigilo de dados dos cidadãos (inciso 12, artigo 5º). Mesmo assim, o Executivo federal editou na semana passada a medida provisória 954, que libera o compartilhamento de informações de clientes das operadoras de telefonia para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fazer uma pesquisa. São atingidos mais de 226 milhões de celulares ativos de pessoas físicas e jurídicas, abrindo inclusive os nomes e endereços de seus titulares.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou, na segunda-feira (20), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra essa MP. O propósito é proteger o direito fundamental à autodeterminação informativa sobre os dados pessoais. Esse é o direito de cada cidadão decidir e autorizar sobre como suas informações podem ser usadas e de exigir controle efetivo para tais dados serem manuseados com segurança.

O pedido da OAB leva ao Supremo Tribunal Federal (STF) a oportunidade de reconhecer, definitiva e expressamente, esse direito fundamental. A Constituição já assegura que os dados pessoais só podem ser violados para fins de investigação criminal ou instrução de processo penal. Mas a questão está, frequentemente, no centro de controvérsias. Seria salutar que o principal tribunal do país dirimisse a questão de uma vez por todas.

A nova MP ainda determina a guarda dos dados pela Fundação IBGE, sem controle da sociedade civil, do Judiciário ou do Ministério Público. Ou seja: não apresenta um mecanismo de segurança para minimizar o risco de acesso e uso indevido das informações. Outro problema da MP é descumprir o artigo 62 da Constituição, que exige relevância e urgência para um tema ser tratado por medidas provisórias. Isso porque, ao editá-las, o chefe do Executivo exerce função do Legislativo e, assim, deve justificar seu gesto excepcional.

A MP 954, em resumo, invade a privacidade e a intimidade dos brasileiros sem a devida proteção quanto à segurança dos dados, sem justificativa adequada, sem finalidade suficientemente especificada e sem garantir a manutenção do sigilo por uma autoridade com credibilidade, representatividade e legitimidade, como determina a Lei Geral de Proteção de Dados (lei federal 13.709).

O gesto do Executivo federal é excessivo e oneroso à população. Por esse motivo, a OAB ainda requereu ao STF que suspenda o texto da MP cautelarmente, enquanto o tema não é definitivamente julgado pelo plenário. É necessário rever essas disposições ilegais com o máximo de urgência, tendo em vista que a medida prevê prazos pequenos para a sua efetivação e pode resultar em prejuízos imediatos e irremediáveis aos indivíduos e à sociedade.

Estamos falando sobre informações relevantes que são a chave de acesso individual a milhões de pessoas, com um alto valor não só para políticas públicas, mas também para práticas comerciais e criminosas. Assegurar a proteção a esses dados é uma forma de preservar a cidadania brasileira.

Marcus Vinicius Furtado Coêlho

Advogado, é presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, ex-presidente nacional da instituição (2013-2016) e autor de “Ruy Barbosa – O Advogado da Federação e da República” (ed. Migalhas)

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